segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

ÉTICA E DIREITO NO ÂMBITO DAS PROFISSÕES


ÉTICA E DIREITO NO ÂMBITO DAS PROFISSÕES[1]

Josias Alves de Freitas[2]

josiasalves@outlook.com

INTRODUÇÃO

Este esforço trata da importância de compreender que a ação ética nos mais diversos âmbitos das profissões é essencial, sobretudo, nas que diretamente estão ligadas ao âmbito jurídico, ainda que minimamente, para que todos possam tornar-se ativos na elaboração, construção e condução da sociedade, participando como cidadãos responsáveis pelo rumo de sua própria existência.

            A reflexão sobre essa ação não chega a cessar nos tempos atuais, apesar de que para as mais diversas profissões são elaborados códigos de ética das profissões como forma de evitar o desvirtuamento não só do ser humano em suas relações de trabalho, mas também como forma de evitar que o exercício profissional perca um caráter abstrato de dignidade. São normas de conduta, que abrangem sanções ao seu descumprimento até, mesmo que sob o nome de código de “ética”. São também normas que demonstram certa eficácia, e sobre as quais incide uma reflexão, e se legitimam alicerçadas no que se diz ser o motivo pelo qual estão postas, simplesmente, na tentativa de esclarecer sua existência.

            Este trabalho, que é, sobretudo, explanativo, trata em num primeiro momento sobre o agir ético, desde o contexto da Antiguidade até a crise do conceito ético-político na Modernidade e o paradoxo de liberdade e, posteriormente, do problema da relação intrínseca entre o agir ético e a norma positiva no âmbito profissional, forma sob a qual esse agir apresenta-se hodiernamente.

1          A INDISSOCIABILIDADE ENTRE ÉTICA E ESCOLHA

            Antes, portanto, de compreender aquela (ou mesmo aquelas) importância do agir ético, faz-se necessário tentar, pelo menos, entender porque o ser humano se distancia dessa forma de agir, principalmente quando não lhe é imposto, categoricamente, que aja eticamente, em qualquer das relações sociais. Já PLATÃO, filósofo da Antiguidade, em sua obra A república, enumera uma série de circunstâncias oferecidas pelos interlocutores de Sócrates, que dizem respeito a motivos pelos quais os homens, dentro de determinado contexto, preterem a justiça em favor de si próprios: “O primeiro de tais indivíduos ao qual se apresenta a possibilidade de cometer uma injustiça é o primeiro a cometê-la na medida em que pode” (PLATÂO, 2005, p. 43-44). Apesar do esforço para provar que é melhor agir com justiça, que esta é um bem que deve ser buscado acima da injustiça, foi mais válida a reflexão acerca desse tema, e não somente esta, como também a crítica e a valoração que permitissem, na busca por uma estabilidade da vida coletiva e do senso de justiça, um posicionamento efetivo diante das várias formas de agir:

[...] as pessoas comuns colocam-na na espécie de bens que custam esforço, daqueles bens que devem ser praticados para proporcionar recompensa e satisfação, mas que, por si próprios, devem ser evitados como molestos (PLATÂO, 2005, p. 32).

Ainda assim, fica claro no decorrer da obra, a importância da lei, e como esta está relacionada, dentro das reflexões acerca da justiça, às necessidades sociais, e deixa importante contribuição, no sentido do conhecer, buscado por todos os que participaram na obra platônica, como forma de alcançar o ser e agir virtuosamente:

[...] Ora, em nossa opinião, que efeito terá sobre as almas dos jovens ouvir essas histórias? Entendo aqui aqueles jovens que felizmente são dotados e, como capazes de refletir a respeito e concluir como deve ser um homem e qual caminho deve percorrer para passar a vida da melhor maneira (PLATÃO, 2005, p. 41).

Diante da crise moral e política que se instaurou na Antiguidade, fomentada pelas ideias da relativização da justiça, a lei é apontada como um “veículo” através do qual o homem se tornaria virtuoso, na medida em que a lei só a é enquanto materializa a justiça. Aristóteles indica-nos: o que está de acordo com a lei é justo.

Da mesma forma que normas e princípios estão intrinsecamente ligados, também a lei remonta a valores, que o ser humano tem consigo, ao mesmo tempo em que interioriza e age em conformidade com aqueles princípios. É então, perfeitamente válido estabelecer papel crucial à educação enquanto meio para a preservação do bem social. O conflito exposto nos momentos iniciais de A república, encontram mais tarde, com Aristóteles, sob outra ótica, o ideal de justo que consolidou-se na Antiguidade, e persistiu enquanto pôde.

Agnes HELLER, (1998), indica a grande crise do conceito ético-político de justiça, em sua obra Além da Justiça, e nos demonstra, respaldada em contribuições de diversos pensadores analisadas criticamente, sobretudo políticos e da sociedade, o paradoxo da liberdade, construído quando da retomada da razão, na Modernidade, em que houve uma série de quebras e construção de paradigmas, com a exposição do problema ético, quando o homem precisa definir objetivos estabelecendo qual a melhor conduta individual, mas também social, na busca pelos fins que almeja. Ao fazê-lo, portanto, expõe a ausência e a impossibilidade do reconhecimento de um critério universal que reconheça justiça e injustiça, e propõe uma redefinição do conceito formal de justiça, que encontrava-se bem definido na Antiguidade, e a qual acreditava-se ser um bem natural, assim como para Aristóteles, em Etica à Nicômaco, quando chama

[...] de absolutamente completa uma coisa sempre eleita como uma finalidade e nunca como um meio. Ora, a felicidade, acima de tudo mais, parece ser absolutamente completa nesse sentido, uma vez que sempre optamos por ela por ela mesma e jamais como meio para algo mais (ARISTÓTELES, 1991, p. 231).

HELLER articula que na Antiguidade, sabia-se o que era certo e bom (1998, p. 113), enquanto que na Modernidade, o paradoxo da liberdade gira em torno da seguinte questão: o homem é livre, e tenta afirmar sua liberdade, ao mesmo tempo em que, enquanto ser social, deve se deixar limitar sob pena de inviabilizar sua própria liberdade. KANT (1994, p. 73) determina que “é justa toda ação ou máxima da ação que possa permitir a coexistência da liberdade do arbítrio de um com a liberdade de outro segundo uma lei universal”. O racionalismo kantiano (que redunda no idealismo hegeliano) dita que os homens governam-se com base nas leis inteligíveis (racionais) e naturais (sensíveis), tendo a razão humana incidindo nos objetos. Esse entendimento, segundo HELLER, é crucial para que se chegar a conclusões precisas relacionadas à ética kantiana, pois o autor declara a razão como um instrumento incapaz de fornecer todas as explicações e produzir todas as deduções necessárias para explicar as razões últimas das coisas, inclusive da escolha pelo agir ético:

[...] Esse mundo não significa outra coisa a não ser um algo que restou quando exclui dos fundamentos que determinam minha vontade em tudo o que pertence ao mundo sensível, só para reincluir o princípio das causas motoras no campo da sensibilidade, limitando-o e mostrando que não o compreende in totum, mas sim que fora dele existe algo mais; este algo mais, contudo, desconheço-o (KANT, 1994, p. 120).

Kant, em Crítica da razão pura, admite que haja, desconsiderando os efeitos da felicidade, “leis morais puras, que determinam completamente a priori o fazer e o não fazer” (KANT, 2006, p. 97).

2          ÉTICA PROFISSIONAL E O DIREITO POSITIVO

As leis positivas, segundo Hegel, são a forma de o Estado, que teve seu papel alterado nas relações sociais enquanto seu mediador, limitar as intenções paradoxais que se estabeleceram na Modernidade (ainda que a conceituação desta não tenha se dado com o presente nome), com a emergência e prevalência dos interesses particulares. Ao retomar as concepções da filosofia prática de Aristóteles, e ao tratar especificamente do Direito, determina seu objeto filosófico: a razão do Direito, e o expõe enquanto “auto-realização, a estrutura que se transforma em mecanismo que processa a necessidade da concretização da liberdade como fundamento do mundo moderno” (HEGEL, 1990, p 225). HABERMAS, ao tratar sobre Hegel, diz em sua obra, O discurso filosófico da modernidade, que ele “descobre o princípio dos tempos modernos: a subjetividade (...). [E que] os históricos acontecimentos-chave para o estabelecimento do princípio da subjetividade são a reforma, o iluminismo e a Revolução Francesa” (1990, p. 27). A questão colocada é justamente sobre a subjetividade, ou liberdade, do indivíduo, e como evitar a desestruturação da sociedade quando da elevação humana ao plano da liberdade absoluta. PLATÃO, entretanto, já nos alertara sobre a “injustiça absoluta” e sua intrínseca relação com a liberdade em A república.

Retomando a questão exposta inicialmente, sobre as leis, temos reflexos desses movimentos modernos na hodiernidade, sobretudo das heranças positivistas, no que concerne ao âmbito das profissões, mais especificamente, dos juristas, e encontramos em BITTAR uma ampla dissertação sobre o problema exposto inicialmente neste trabalho. O referido autor nos diz que:

[...] O jurista passou a ter limites em sua atuação, e esses limites passaram a ser os horizontes do jurista; limitado ao que é normativo, consequentemente, o jurista, em sua miopia intelectual, passou a ser a primeira vítima das alterações legislativas (BITTAR, 2013, p. 419).

Essa limitação constitui um grave perigo, ante a importância das profissões jurídicas na sociedade: os profissionais devem ter “consciência ética”, pelas consequências jurídicas de seus atos, que geram efeitos sobre os mais diversos setores sociais. O profissional deve estar atento às necessidades sociais, tendo em vista os desdobramentos de seus atos, entendendo que interfere na “conduta e no comportamento das pessoas, e em sua forma de se organizar e distribuir socialmente” (BITTAR, 2013, p. 418).

Encontramos no mesmo autor, considerações acerca do primeiro problema exposto, quando retrata a limitação da liberdade ética do profissional, em uma crítica, quando da exigibilidade do compromisso social das ações do profissional, a qual é circunscrita às exigências da corporação ou instituição que controla seus atos. O agir ético tem, de uma forma ou de outra, importância tal que foi necessária, ante um grande numero de códigos de ética profissional, “incentivar” sua prática, no cumprimento dos deveres segundo valores e princípios característicos de cada profissão, com vista ao seu fim, seu objetivo e os efeitos das atividades profissionais, que BITTAR (2013, p. 411) define como o dever ético de ser.

Quanto ao entendimento de que o ato é ético quando corresponde, em detrimento do particular, do indivíduo, ao interesse público tendo em vista um fim almejado mais vantajoso, ou para a maioria, ou para evitar prejuízo para a mesma, ainda que cause dano à minoria, RAWLS critica o utilitarismo, que corresponde a esse pensamento exposto. O entender do autor, pela sua importância, ao elevar acima do plano teleológico o agir ético à forma e condições em que se dá a ação, mesmo que num plano abstrato de condições, e sob um contrato hipotético, para que a mesma seja, então, ética, tem em vista o ideal de que as pessoas possam “viver de forma autônoma, ou seja, que possam decidir e levar adiante livremente o plano de vida que consideram mais atraente” (RAWLS apud GARGARELLA, 2008, p. 30). Constitui, pois, um desejo válido, de instaurar, no seio da atualidade, um conceito ético que concilie obrigações sociais e liberdade pela forma em que se dá a escolha.

CONCLUSÃO

A partir dessas explanações, sobre o escolher agir eticamente, e a busca por esse modo de agir e as formas com que surge e se dá ao longo da história humana desde a Antiguidade, demonstramos a preocupação que tem o ser humano em refletir racionalmente sobre as suas ações, o que ratifica o papel da ética enquanto objeto de reflexão e análise, ensejando, neste esforço, sua aplicabilidade no âmbito das profissões: da profissão em si, e do profissional. Como forma de demonstrar um dos entendimentos hodiernos, a grande quantidade de códigos de ética reflete esse ensejo.

Tomamos uma citação de WARAT, ao tratar em uma de suas obras, O outro lado da dogmática jurídica, sobre o direito instituído e as suas razões:

[...] Não existe compromisso com o outro sem a lei (...). Poderia se dizer que a busca por uma nova articulação entre legalidade-ética e razão é o grande debate político que tem que atravessar o pensamento jurídico na transmodernidade para não obstruir as possibilidades de uma mudança de atitude nos homens e nos objetivos, que assegure o ressurgimento, em forma inovadora do truncado projeto de autonomia. (WARAT, 1994, p. 85-95).

Podemos dizer que a lei é, então, necessária, como instrumento capaz de guiar, a priori, a ação humana no exercício das profissões. No entanto, o entendimento, desde a Antiguidade, sobre o ser em lugar de dever ser ético, demonstra a persistência da preocupação com a questão, que no espaço brasileiro não antecipa uma resolução simples de se implementar. Além disso, temos um recorrente problema de adequação das diferentes concepções teóricas que lutam por seu espaço.

 
REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; In. Os Pensadores; seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. 4. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

BITTAR, Eduardo C. B.. Curso de  ética jurídicaética geral e profissional. 10. Ed. São Paulo: Saraiva,  2013.

GARGARELLA, Roberto. A teoria da justiça de John Rawls. In.  As teorias da justiça depois  de Rawls: um breve manual de filosofia política. Trad. Alonso Freire. São  Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 01-31.

HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Trad. Ana Maria Bernardo; José Rui Meirelles Pereira; Manuel José Simões Loureiro; Maria Antonia Espadinha Soares; Maria Helena Rodrigues de Carvalho; Maria Leopoldina de Almeida; Sara Cabral Seruya. Lisboa: Dom Quixote, 1990.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Lisboa: Guimarães, 1990, p 225.

HELLER,  Agnes. A  dissolução do conceito ético-político de justiça modernidade. In. Além da justiça. Trad. Savannah Hartmann. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 111-144.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução: J. Rodrigues de Merege. 2006. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000016.pdf>. Acesso em: 15 de Dezembro de 2013.

______________. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. In. Immanuel Kant: Criticismo e deontologia. Trad. Lourival de Queiroz Henkel, Lisboa: Edições 70, 1994.

PLATÃO. A república – livros I e II. In. MAFFETTONE,  Sebastiano; VECA, Salvatore. (Org.). A  idéia de justiça de Platão a Ralws. Trad. Karina Jannini. São Paulo:  Martins Fontes, 2005, p. 211-216.

WARAT, Luís Alberto. O outro lado da dogmática jurídica. In. Teoria do Direito e do Estado. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1994, p. 85-95.


[1] Trabalho como parte da avaliação continuada da disciplina Ética Jurídica, ministrada pelo Professor Dr. Luiz Otavio Pereira.
[2] Discente regularmente matriculado no Curso de Direito da Universidade Federal do Pará, sob o número de matricula 13641004101.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O DESAFIO DE SE BUSCAR UMA ÉTICA JURÍDICA


O DESAFIO DE SE BUSCAR UMA ÉTICA JURÍDICA[1]

 

Marcus Antônio de Souza Fernandes Filho[2]

marcu.filho@gmail.com


INTRODUÇÃO

          A ética, ainda que muito invocada, está ausente da concretude diária das relações humanas. (BITTAR, 2013, p. 25). Dessa forma, apesar do seu valor, a ética, na contemporaneidade, é considerada como um obstáculo para a sociedade consumista e comercial, regida por um sistema que transformam os valores humanos em valores econômicos, sem qualquer compromisso com o dever moral. Resultando em um desvirtuamento da conduta humana, refletindo em uma sociedade cada vez mais egoísta, violenta e sem nenhuma preocupação com o bem comum, ocasionando a perda de valores morais. Tornando-se um verdadeiro desafio a prática de uma ética profissional, mais especificamente a jurídica.
         É na balança ética, como foi dito pelo Bittar, que se devem pesar as diferenças de comportamento, para medir-lhes, a utilidade, a finalidade, o direcionamento, as consequências, ou seja, os frutos de toda a ação humana. Tornando possível a convivências das diversas ações humanas na sociedade, pois elas devem se relacionar com o mesmo fim: o bem comum.
           Contudo, a ética não deve se limitar ao seu saber, mas também a sua prática. Dessa forma, esta não se restringe ao estudo da ação humana, na sua complexidade, de forma investigativa. Trata-se, porém, da faceta que busca o conteúdo efetivo da ética como ocorrência individual e social.
         E é voltada na ética prática, mais precisamente na ética profissional que este trabalho abordará questões e reflexões relacionadas na área jurídica. Com o objetivo de ressaltar a importância da ética jurídica, no exercício das atividades dos operadores jurídicos, pois mais do que qualquer profissional, estes possuem a obrigação e dever ético. Sendo, portanto, autores das conquistas dos desafios que impedem a ética jurídica.

 
1 A REALIDADE ATUAL DA ÉTICA

            A ética corresponde ao exercício social dos “três erres”: reciprocidade, respeito e responsabilidade. Sendo a intersubjetividade um traço fundamental da ética (BITTAR, 2013). Contudo, na sociedade atual, regida por um sistema que prega o individualismo desenfreado, o consumismo, a competição. Torna intersubjetividade e os três erres tornam-se ausentes na concretude diária das relações humanas, ou seja, apesar do seu valor, a ética torna-se um obstáculo para a sociedade consumista e comercial, regida por um sistema que transformam os valores humanos em valores econômicos, sem qualquer compromisso com o dever moral.
           É nas inquietações humanas que encontramos a fonte de existência da ética, pois assim como nos primórdios das sociedades, há a necessidade de balancear os diferentes comportamentos, em relação às consequências, os mecanismos, e o compromisso individual e social. Por meio de uma balança ética que deve pesar os diferentes comportamentos para que a sociedade alcance uma harmonia, resultando em um bem comum.
        A ação humana, como foi bem dito pelo Bittar, é uma movimentação de energias que se dá no tempo e no espaço, por meio de uma determinada manifestação de comportamento, intenções, e escolhas que fazemos no dia-a-dia. Continuar a dormir ou acordar, estudar ou sair, fazer o bem ou fazer o mal. Para ilustrar melhor essa questão da ação humana e suas consequências, pode-se fazer alusão ao grande escritor Machado de Assis, na sua obra: histórias póstumas de Brás Cubas, quando o Brás encontra um preto, palavras do autor, que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: “Não. Perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!”[3]. Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova. E o mais impactante foi a quem se tratava o vergalho, dita pelas próprias palavras do autor:

Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho?
Nada menos que o meu moleque Prudêncio- o que meu pai libertou alguns anos antes. Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele. E ele respondeu que sim. (MACHADO, 2010, p. 171).

O mais impactante nessa história, é o fato do moleque Prudêncio ter sofrido o mesmo com o Brás Cuba quando ainda era escravo da família Cubas. Dessa forma, notamos que o antigo escravo não teve uma ação diferente que a do seu antigo senhor, pois praticou a mesma ação que havia sido submetida a ele.
        É importante considerar que as ações humanas convivem em uma mesma sociedade, de forma que a própria sociedade torna-se um local onde convergem todos os fluxos de ações aglomeradas em torno de um fim comum. Dando inicio a aglomeração de ações individuais, até a formação da intersubjetividade, formando um grande emaranhado de ações que se relacionam. (BITTAR, 2013)

2 ÉTICA NO SABER E NA PRÁTICA

Primeiramente é preciso diferenciar a ética do saber da ética prática. O saber ético incumbe-se de estudar a ação humana, e por isso possui uma grande complexidade no assunto. Possui uma faceta investigativa, pois se volta para o comportamento humano tomado em sua acepção mais ampla, nas suas realizações exteriores, espirituais (intencionalidades), e nos resultados úteis e práticos.
Já a ética prática possui a característica de atuação concreta e conjugada da vontade e razão, de cuja interação se extrai resultados que se corporificam por diversas formas. Dessa forma, as intenções e realizações exteriores devem estar em pertinente afinidade com a atitude interna, ligando assim, a consciência da ação. Como foi dito pelo próprio Bittar:

Então, a prática ética deve representar a conjugação de atitudes permanentes de vida, em que se construam, interior e exteriormente, atitudes gerenciadas pela razão e administradas perante os sentidos e os apetites (BITTAR, 2013, p. 30).

 A prática de condução de políticas públicas, por exemplo, é ética se se realizaram atitudes positivas e reais em prol da coisa pública. Assim como no bom proceder, quando se constata não somente uma mínima intenção de não lesar, mas sim no esforço efetivo de conter toda e qualquer conduta capaz de lesar o mínimo ao patrimônio espiritual, material, intelectual e efetivo de outrem. Trata-se do conteúdo efetivo da ética como ocorrência individual e social. (BITTAR, 2013)
         O agir é necessário, apesar de perigoso por conta da responsabilidade das consequências. O homem é um ser de agir e fazer escolhas, dessa foram ele adentra em uma esfera de conflito moral, que pode instalar na consciência e que pode perseguir o indivíduo na tensão oriunda dos efeitos e responsabilidades decorrentes de seu ato. Um grande exemplo desse conflito moral é o caso do Raskólnikov, personagem principal da obra do FiódorDostoiévski: Crime e Castigo. Onde um jovem estudante de direito que comete um assassinato e se vê perseguido por sua incapacidade de continuar sua vida após o delito, e admite o crime: “Fui eu que, para roubar, assassinei a machado a velha que emprestava sob penhor e sua irmã Lizavéta”[4] (DOSTOIÉVSKI, 2010).
              Dessa forma, pode-se dizer que agir é perigoso, mas é preciso agir, pois a ação exprime, em sua essência: a vida. Contudo, é preciso agir levando em consideração o agir ético, para que se possam balancear as ações em sociedade, e buscar-se-á o fim social tão almejado: o bem comum.
         E o bom agir, referente à ética habermasiana, seria por meio do diálogo, ou seja, com a capacidade de interação fundada na razão dialógica e comunicativa. Dessa forma, a ética tem a ver com linguagem, com condições de comunicação e com exercício prático do discurso na interação pragmática com o outro.A ética do discurso eleva o teto da racionalidade como forma de entendimento entre atores sociais. Ademais, a teoria do discurso empodera os atores sociais para que assumam a tarefa de realizar a liberdade, a verdade, a democracia, como responsabilidade de esfera pública e interação política dos parceiros do direito[5].


3 ÉTICA NA PROFISSÃO

É como especialização de conhecimentos aplicados que a ática profissional se vincula às ideias de utilidade, prestatividade, lucratividade, categoria laboral, engajamento em modos de produção ou prestação de serviços, exercícios de atividades regularmente desenvolvidas de acordo com finalidades sociais. Desse modo, podemos perceber que a primeira característica da profissão, para que seja definida como tal, é estar a serviço do social.
     Ademais, o que define o estatuto ético de uma determinada profissão é a responsabilidade que dela decorre, pois, quanto maior a sua importância, maior a responsabilidade que dela provém em face dos outros. Encontra-se então, certa dificuldade na temática da profissão, na questão de defini-la, por ser de algo de grande complexidade.
         Mas, de qualquer modo, profissão deve ser entendida como uma prática que reiterada e lucrativa, da qual extrai o homem os meios para a sua subsistência, para sua qualificação e para seu aperfeiçoamento moral, técnico e intelectual, e da qual decorre, pelo simples fato do seu exercício, um benefício social.
       Os profissionais em geral, devem buscar a compreensão que na feita que professam uma atividade não haverá convivência individual, mas sim um engajamento numa teia de compromissos tal que uns dependem dos outros para que se perfaçam objetivos pessoais e coletivos.


CONCLUSÃO

Portanto, podemos notar o quanto a área jurídica deve se colocar como responsável no que consta na questão do dever ético, porque os agentes do direito possuem em suas rotinas a tarefa da administração da justiça, e a busca dos direitos, sejam individuais ou coletivos, principalmente este, que se sobressai ao interesse individual.
          A ética, dessa forma, não deve se limitar ao seu saber, mas também a sua prática. Dessa forma, esta não se restringe ao estudo da ação humana, na sua complexidade, de forma investigativa. Trata-se, porém, da faceta que busca o conteúdo efetivo da ética como ocorrência individual e social.
          É preciso ressaltar a importância da ética jurídica, no exercício das atividades dos operadores jurídicos, pois mais do que qualquer profissional, estes possuem a obrigação e dever ético. Devendo, portanto, serem os autores das conquistas dos desafios que impedem a ética profissional, especialmente a jurídica.   Por meio do discurso, pode ser mobilizado para representar a força de fundamental importância para produzir interatividade e formas de integração social fundadas no consenso, passos fundamentais para a disseminação de justiça na vida social[6].
 

REFERÊNCIAS

DE ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril, 2010, p. 171.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. CRIME E CASTIGO: volume II. Trad. Rosário Fusco. São Paulo: Abril, 2010, p. 331.

BITTAR, Eduardo. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 25-95, 389-422.

HABERMAS: ética do discurso e racionalidade dialógica, p. 379, 385-386.






[1]Ensaio apresentado à matéria Ética Jurídica, ministrada pelo Professor Doutor Luiz Otávio Pereira.
[2]Discente regularmente matriculado no curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará, cujo número de matrícula é 13641001301.
[3] DE ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril, 2010, p. 171.
[4] DOSTOIÉVSKI, Fiódor. CRIME E CASTIGO: volume II. Trad. Rosário Fusco. São Paulo: Abril, 2010, p. 331.
[5] HABERMAS: ética do discurso e racionalidade dialógica, p. 379, 385.
[6]HABERMAS: ética do discurso e racionalidade dialógica, p. 386.