terça-feira, 13 de dezembro de 2011


PEQUENA HISTÓRIA DA SERVIDÃO DOS DEUSES E HERÓIS[1]
GUSTAVO PEREIRA FREITAS[2]

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A SOCIEDADE PRÉ-HEMÉRICA: Semente da Servidão. 3 O NASCIMENTO DA POLÍTICA DA SERVIDÃO. 3.1 O MITO E A SERVIDÃO NO OLIMPO. 3.2 HERÓIS: entre Deuses e Homens. 4 A EDUCAÇÃO E O HÁBITO. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO
Servidão, dentre suas várias definições, significa “sujeição, dependência”, conforme o dicionário Aurélio online. Esta dependência pressupõe a existência de uma relação no mínimo dual entre um senhor e o escravo, senhor e o servo, soberano e o vassalo, etc. Mas o sentidoque iremos utilizar essa palavra provém de Étienne de La Boétie o qual em seu livro Discurso da Servidão Voluntária afirma paradoxalmente que a servidão só existe pelo consentimento do servo, escravo, vassalo ou do povo. Vejamos o que diz o autor:
Coisa realmente admirável, porém tão comum, que deve causar mais lástima que espanto, ver um milhão de homens servir miseravelmente e dobrar a cabeça sob jugo, não sejam obrigados a isso por uma força que se imponha, mas porque ficam fascinados e por assim dizer enfeitiçados somente pelo nome de um, que não deveriam temer, pois ele é um só, nem amar, pois é desumano e cruel com todos (BOÉTIE, 2009, p. 30).
Nesse sentido, Boétie, afirma que a razão central de os homens servirem voluntariamente é hábito. Os homens foram condicionados e acostumados à obediência e, desde a antiguidade, os senhores utilizam de todos os meios para enganar o povo, exemplo disso, é a política do pão e circo durante o império romano.
A educação, nesse processo, exerce um papel central visto que “O homem é naturalmente livre e quer sê-lo, mas sua natureza é tal que se amolda facilmente à educação que recebe” (BOÉTIE, 2009. P. 48). Ele não faz apologia ao determinismo, mas ressalta que o homem é de sobre maneiro influenciado a não criticar e não pensar sobre a ordem que lhe é imposta.
O remédio para a servidão voluntária não passa necessariamente pela revolução armada, Boétie, acreditava que bastava os homens desobedecerem ao Tirano para tão logo ele está deposto. Dizia, “ não é preciso combater nem derrubar esse tirano. Ele se destrói sozinho, se o país não consentir com sua servidão. Nem é preciso tirar-lhe algo, mas só não lhe dar nada” (BOÉTIE, 2009. p. 34). Aíesta a grandeza do pensamento do autor, ele emancipa-se do seu tempo e antevê que é possível a revolução pela desobediência civil.
Assim, inspirado nolivro de Boétie, concentramos nossa análisena Ilíada obra atribuída a Homero, dada sua importância e influência para a cultura do ocidente e por ser mais antiga que a Odisseia, epopeia também atribuída ao poeta, tentando fazer uma leitura política que, se bem sucedida, verificará a presença da ideia da servidão voluntária nacultura grega, sendo o início de uma política da servidão transmitida pela educação até os nossos dias.

2 A SOCIEDADE PRÉ-HEMÉRICA: Semente da Servidão
Na ilíada obra de autoria atribuída a Homero temos uma cultura, em vários pontos, uniforme e seguramente já podemos falar nessa obra em uma cultura grega. Esta a época do cantor já se encontrava marcada pela ideia de servidão, até mesmo entre as lideranças gregas há uma hierarquia, senão vejamos a seguinte passagem da Ilíada:
Foge, Agamemnon replicou-lhe, foge,
Se é teu prazer; que fiques não te imploro:
Honram-me outros, e em Júpiter confio.
Dos reis alunos dele és quem detesto;
Só respiras discórdias, rixas, pugnas.
Tens valor? agradece-lho. Os navios
Recolhe e os teus; nos Mirmidões impera:
Não te demoro; esse rancor desdenho.
Priva-me de CriseidaFebo Apolo:
Em nau minha esquipada vou mandá-la.
À tenda hei de ir-te mesmo, eu to previno,
Tomar-te a elegantíssima Briseida;
Sentirás em poder como te excedo,
E outrem se me antepor e ombrear trema.(HOMERO, 2009,p. 69. Grifei)
O canto épico assim parece demonstrara existência da ideia política da servidão, posto que em diversas passagens existam referências a reis que devem ser obedecidos, acima se vislumbra Agamemnon que pune asacusações de Aquiles tomando-lhe a Briseida.Para verificar de onde decorre essa ideia já consolidada no período homérico é necessário olharmos um pouco mais atrás e entendermos a formação do povo grego.
O povo grego não foi o primeiro a habitar a Península Balcânica. Nesta região, já  habitavam culturas antigas, noticia-se que tais povos seriam os Pelasgos, os Cários e os Léleges. Essa noção é fundamental para compreender a gênese do povo grego a qual ocorre num processo de sucessivas migrações e invasões naquela região. Como afirma AlbinLesky (1995) a chegada dos povos indo-europeus, basicamente, entre esses povos, encontravam-se os Aqueus e os Dórios, na região provocou um confronto com a população que lá se encontravam originando o povo grego.
Desses migrantes, os primeiros a chegar foram os aqueus, por volta de 1600a 1500 a. C., pois após sua chegada invadiram e dominaram Creta a qual era o maior expoente político e econômico da época. “Os habitantes de Creta, os cretenses, eram o antigo povo jônio, e já tinham desenvolvido toda uma organização social, cultura e política e consideráveis habilidades marítimas, que lhe permitiram relações comerciais muito significativas” (AMARAL; MELO; MURARI, 2009) o sincretismo entre os aqueus e os cretenses dá origem a chamada civilização micênica.
Os próximos a chegarem à região foram os dórios por volta de 1200a. C, vindos do Norte, um povo extremamente agressivo que devastou a cultura micênica. O abuso chegou a tanto que os séculos que se seguiram a invasão dória ficaram conhecidos como “obscuros”. Segundo anota Lesky (1995) são as épocas que menos se conhece sobre a cultura grega.
Essa perspectiva histórica, da formação do povo grego,é importante para o desenvolvimento do nosso tópico,porque a breve noção nos remete a uma conclusão preciosíssima que o período pré-homérico émarcado pela guerra. A luta entre povos que não tinham um linguajar comum, os quais não partinhavam dos mesmos hábitos, cujo objetivo era a sobrevivência teve como resultado, por um capricho do destino, a formação de uma única cultura.
Inicialmente, a formação de uma cultura se dá pelo estabelecimento de uma mesma língua.Isto pode parecer óbvio, tendo em vista que só através da comunicação linguística se faz possível um convívio social.Nesse sentido, a unificação pela palavra surge despertando o homem e sua consciência, ela agrega valores. Temos na ilíada uma sériede valores posto para uma cultura consolidada, nela o exemplo de homem é o guerreiro, para ele são atribuídos valores como a honra, a disciplina, a glória, a justiça, etc.
Percebe-se, perante o exposto, que a diversidade cultural do período pré-homérico, vai, paulatinamente, no processo histórico, transformando-se, unificando-se e culminando em uma cultura comum, única, homogênea, etc. nela estásubmersa o poeta sendo a cultura do seu tempo e aque o subsidia no canto das epopeias. Nelas agregam-se valores por meio das palavras, “Palavra de graça, chamamento do ser, chamamento ao ser, a primeira palavra, portanto, é essência que institui a existência, que provoca a existência” (MONTEIRO, 2005, p. 53.Grifei).
Uma vez que a língua comum passou a existir, a palavra provocou a existência, a tradição passou a se formar naquela sociedade. A epopeia por si já significa esse testemunho já que elas são narrações dos feitos heroicos,gloriosos fatos de um passado e que, nesse caso, foi herdado pelo poeta. A esse respeito:
Homero é certamente um começo e não o é apenas para o nosso ver. O século de Homero, que pensamos com fundamento, ter sido o VIII, franqueou caminho às forças que haviam acumulado nos tempos obscuros, para um desenvolvimento que por toda a parte favoreceu o despontar de nova vida (LESKY, 1995, p. 29).
A herança da cultura pré-homérica chegou até ao poeta devido a forte tradição do canto transmitida de pai para filho ou do mestre para o aprendiz, “mas isto é tudo: não conhece um texto preexistente e cria sempre de novo sua canção” (LESKY, 1995, p. 33. Grifei), e nesse sentido que Homero é um começo.
Salutar é o ponto que a sociedade, desde os tempos anteriores ao poeta, já havia consolidado uma aristocracia. Como dito, as guerras eram constantes, nelas geraram-se lideranças e, posteriormente, quem melhor, nos tempos de paz, para governar as cidades? Impossível era retirar a legitimidade dos guerreiros para o governo. Eos filhos destes nasceram no governo e com seus pais aprenderam a liderar, os filhos dos outros homens por seus pais foram habituados a obedecer. Essa é a cultura que o poeta canta. É a semente da servidão.

3 O NASCIMENTO DA POLÍTICA DA SERVIDÃO
Por que na época de Homero já era comum que homens servissem uns aos outros? Vimos que com o sincretismo gerado pela cultura dos povos indo-europeus com os habitantes nativos da Península Balcânica levou ao nascimento da cultura grega. Nesse sentido, Homero ao escrever Ilíada e posteriormente a Odisseia o faz tendo como contexto uma cultura uniforme, definida e na qual a sociedade já estáorganizada, tendo por liderança uma aristocracia, descendente dos guerreiros.O palco já está montado para o espetáculo: o nascimento da política da servidão.
A política da servidão vem justificar a questão da legitimidade dos que governam a cidade. A cultura da sociedade homérica pode nessa questão ser definida como cultura da vergonha, isto é, na qual o senso coletivo impera e sanciona o comportamento individual. Consolidando esse entendimento temos “a vergonha se configuraria, então, como reação à crítica dos demais, para vivenciá-la seria necessária a presença ou ao menos a suposição de uma plateia; que não somente assiste, mas julga, avalia.” (RIBEIRO; LUCERO; GONTIJO, 2008, p. 130). Desta forma, o senso de uma coletividade que vigia os atos dos guerreiros e heróis para que estes não contrariem a ordem tecida pela Moira (representante do destino).
A essa cultura da vergonha vem se opor a cultura da culpa, na qual:
Por outro lado, na culpa todo o acento recai sobre a interiorização de uma consciência moral, e nesse sentido, ela prescinde da crítica alheia para ser experimentada, bastando para isso que determinado ato não esteja em sintonia com a imagem que alguém faz de si próprio, daí o sentimento de culpa ser aliviado por meio da confissão da falta de moral, expediente ineficaz, e por conseguinte, ausente nas culturas da vergonha. (RIBEIRO; LUCERO; GONTIJO, 2008, p. 130. Grifei).
Nesse quadro, vamos focar análise nos desdobramentos que a política da servidão, essa cultura da vergonha que acompanha os homens desde as suas origens mais primitivas, é trabalhada nas epopeias. Temos que o homem só se libertará quando houver a tomada de consciência de que a cultura lhe sufoca, habituando-o a servir. Forma-se uma ideologia legitimadora da sociedade que transcende até os nossos dias.
Duas ao nosso ver, são os desdobramentos dessa ideologia: o mito que se manifesta pela servidão dos deuses e o herói que diante da ordem posta, revela o dilema que os homens sofrem. Vejamos cada uma delas.

3.1 O MITO E A SERVIDÃO NO OLIMPO
Para Alberto Branco “Dá-se o nome de mitologia grega ao conjunto de narrativas maravilhosas e das lendas de todo o gênero que os textos e os monumentos figurados demonstram e se propagam nas regiões de língua e influência gregas” (BRANCO, 2005, p. 60). Mitos, narrativas e lendas aparecem como uma forma de explicação dos fenômenos os quais não era possível estabelecer um nexo racional, por isso sendo atribuídos causas e efeitos a algo sobrenatural. Nesse sentido, podemos citar como exemplo a chuva, o raio, reproduçãoda espécie, o destino, etc. Podemostentar esgotar o conceito de mito nos dizer de Regina Monteiro:
Os mitos retratam as diferentes situações de vida, as relações entre as pessoas, entre o indivíduo e a sociedade e a natureza. Analisando um mito, é possível entender a realidade social de um povo (sua economia, sistema político, costumes e crenças), toda a experiência adquirida pelos homens em sua caminhada histórica está contida nos mitos em narrativas metafóricas (MONTEIRO, 2005, p. 54. Grifei).

Partindo da ideia de que, análiseda sociedade, de uma determinada época, pode ser feito em conformidade com seus mitos. Temos nas epopeias gregas toda uma hierarquia dos deuses gregos que muito tem a contribuir para entendermos as relações políticas desenvolvidas naquela na polis grega. Vejamos uma passagem da Ilíada a esse respeito:
Numa gruta acha a Tétis e as Nereidas,
Chorando o exímio Aquiles, n’alma Tróia
Longe da pátria a falecer fadado:
“Vem, Tétis, que te chama o Onipotente.”
A argentípede acode: “Que pretende?
Ir aflita me pesa à etérea corte;
Mas Júpiter o manda, é quanto basta”(HOMERO, 2009, p. 429. Grifei).
A passagem da Ilíada acima transcrita deixa evidente quem é o todo poderoso dos deuses olímpicos: Júpiter (Zeus). A organização política do Monte Olimpo se dá centrado na figura desse deus o qual é pai e irmão da maior parte das divindades. Assim a históriade Zeus é fundamental a nossa interpretação para entendermos como a servidão se manifesta no Olimpo.
Narra Thomas Bulfinch (2006) que  Zeus Era filho de Saturno (Crono) e Reia (Ops), que pertenciam à raça dos Titãs, filhos da Terra e do Céu que surgiram do Caos. Apesar das controvérsias em torno da figura de Saturno, conta-se que este tinha por hábitodevorar seus filhos. Zeus, contudo, escapou a esse destino e quando cresceu se casou com Métis (Prudência), a qual preparouuma porção para Saturno, que o fez vomitar os filhos que engolira. Depois disso Zeus derrotou seupai e os demais titãs foram punidos, como Atlas que teve que sustentar o firmamento.
Diante disso, podemos dizer que uma dívida estabeleceu a hierarquia no Olimpo, visto que Zeus salva seus irmãos, Netuno (Poseidon) e Plutão (Hades), que estavam presos na barriga de Saturno e ao derrotar o pai, torna-se senhor dos deuses e dos homens.  Essa ordem do cosmo é o mito legitimador do poder de Zeus.
Persistindo na análiseda figura do governante supremo, temos a história fantástica de “Minerva, a deusa da sabedoria, era filha de Júpiter. Dizia-se que havia saído da cabeça do pai, já madura e revestida de uma armadura completa.” (BULFINCH, 2006, p. 147. Grifei). Por que a deusa da sabedoria saiu da cabeça de Zeus?
Sabemos que é um mito, pelo que já foi dito, contém um significado com a realidade, especificamente, da realidade dos governantes gregos a qual mostra governantes não tão prudentes ou preocupados com seu povo, exemplo disso era o fato de as polis gregas viverem assoladas pela Tirania.
Finalizando, podemos concluir que Júpiter esta longe da perfeição, realçando humanização do deus grego, um governante que falha sendo ainda omisso com seus “subordinados” como é um episódioda Ilíada em que Hera seduz Zeus e Heitor Acaba gravemente ferido.

3.2 HERÓI: entre Deuses e Homens
Os heróis são os modelos de homens a serem seguidos, nesse caso, tanto faz ser ele grego ou troiano. Em diversas passagens da Ilíada temos as qualidades destes bravos descritas: honra, justiça, lealdade, amor, etc. virtudes essas típicas do guerreiro. Natural que acompanhando sua natureza humana eles agem por ódio, vingança, traição, etc. provocando no ouvinte do canto uma reflexão sobre suas atitudes, reforçando o dever de ser virtuoso:
Através dos exemplos dados pelos poetas, o homem grego vai moldando a sua própria personalidade e a de sua sociedade como um todo. Essa tradição da tomada paradigmática do mito como recurso para modelar as ações dos homensem seu convívio social e em atitudes individuais é intrínseca ao espírito grego e ocorre não apenas entre ospoetas e prosadores, mas também em meio afilosofia (SOUZA. 2007. p. 202).
Criam-se os estereótiposdo homem que servem para moldar o grego.Este homem é apresentado como um ser dual e mortal, mas busca a imortalidade nos grandes feitos, mesmo que isso lhe custe àvida como é o caso de Aquiles o qual ao vingara morte de Pátrocloglorificando-se no campo de batalha mesmo sendo advertido que se persistisse na sua empreitada acabaria numa morte prematura.
Outra situação interessante éa que ocorre entre deuses e heróis. Essa relação para LESKY (1995) se dá por três antinomias: proximidade e distância, favor e crueldade e arbitrariedade e justiça. Para o primeiro par, temos na Ilíada, deuses muito em contato direto (Próximo) com os homens e seus destinos, exemplo, são as constantes mensagens enviadas pelos deuses ou quando eles aparecem na forma humana, mas contrariamente horas em que esses deuses se mostram ausente, omissos, distantes. Um episódio, desse fato,é a morte do filho de Zeus Sarpédon, Juno (Hera) adverte que se Júpiter salvar o seu filho todos os demais deuses se acharam no direito de intervir na batalha.
O segundo par de antinomias, favor e crueldade, afirma que os deuses fazem favores aos seus favoritos, como quando afastamo perigo. Já a crueldade se dá quando os deuses colocam armadilhas para os heróis, um ótimo exemplo, équando Atena engana Heitor, fato que culmina com a morte do herói.
Por último, o terceiro par de antinomias, arbitrariedade e justiça, isso tange a moralidade dos deuses. Muitos casos, os deuses se tornam arbitrários, como Hera que com ódionão mediria esforços para devorar Príamo e os Troianos, por isso é censurada por Júpiter. Isto também serve para mostrar a Justiça do governante supremo. Referente a esse último par, focando apenas sobre os homens, dirá Aristóteles séculos mais tarde:
Parece que o injusto seja tanto o transgressor da lei quanto quem quer levar vantagem e quanto o iníquo. Sendo assim, é evidente que o justo também será aquele que respeita a lei e que é equitativo. Por isso, o justo será aquele que age de acordo com a lei e que é imparcial, enquanto o injusto será aquele que não age de acordo com a lei e que é iníquo (ARISTÓTELES, 2005, p. 48 e 49. GRIFEI).
A questão do herói, portanto, se dá nessa complexa relação com os deuses, eles devem fazer na medida de suas forças a superação de obstáculos. São, assim, modelos de homens, isto é, vitrines de valores da cultura grega. É por esse motivo que Homero é considerado o educador dos gregos, mas esse ponto será aprofundado no próximo tópico.

4 A EDUCAÇÃO E O HÁBITO
Ao longo desse trabalho, viemos abordando como a ideia da servidão nasce e se desenvolve na cultura grega. Na formação da sociedade homérica, dizíamos, houve um sincretismo de diversas culturas através da guerra. O resultado foi o aparecimento da cultura grega, homogênea, na qual ficou estabelecido que os vencedores do entrave se tornassem os senhores da sociedade.
Mas tudo deve terminar um dia, o soberano, a classe aristocrática ou quem detenha poder, em última análise, um dia vão morrer. Pensavam, Se a morte é inevitávelcomo ficaria a sua família? Estariam abandonadas as garras de seus inimigos políticos? Como preservar o interesse do grupo? Como garantir a perpetuação do poder para seus descendentes?
A educação, nesse sentido, parece ter sido a solução a esses questionamentos, a dominação do pensamento era muito mais vantajosa, pois afastava a guerra e a disputa pelo poder. Dirá Boétie que “o sultão turco percebeu que os livros e a instrução dão mais que qualquer outra coisa aos homens o bom senso e o entendimento para reconhecerem a tirania.” (BOÉTIE, 2009, p. 49) desta forma, se a educação fosse controlada, o controlador poderia manter o controle sobre a sociedade, nesse sentido, bastaria habituar os homens a obedecer para a família perpetúa-se no poder.
Diante disso, importante é ressaltar que “Os poemas Homéricos eram transmitidos oralmente, os versos de Ilíada e da Odisséia foram cantados pelos aedos e pelos poetas, geração após geração, reproduzindo os valores fundamentais para aquela comunidade” (AMARAL; MELO; MURARI, 2009. Grifei). Na Ilíada percebemos isso com clareza, como visto, nelaos valores fundamentais do homem são o do guerreiro, honra, glória, disciplina, etc. é por esse motivo que Homero é considerado o “educador da Grécia” todos os filhos dos aristocratas eram educados com os seus cantos.

5 CONCLUSÃO
A ideia da servidão voluntária, nos limites traçados por Boétie, afirma que a população é condescendente com o jugo. Isso ocorre por vários motivos, mas essencialmente pelo hábito. Ao se buscar uma pequena história da servidão tentamos analisar o quão antigo e profundo é essa ideia. A escolha pela Ilíada de Homero deu-se pela antiguidade, significado e influência que esta obra tem para a cultura do homem ocidental.
Nada melhor que estudarmos a cultura grega, considerada o berço da nossa civilização, para traçarmos um mapa da origem do pensamento político da servidão. Apesar de na contemporaneidade ocidental a maioria dos países viver em um Estado Democrático de Direitos e não mais em tiranias ou aristocracias, o que deveria significar cidadãos conscientes politicamente de seus direitos e, fundamentalmente, seus deveres, a realidade se mostra contrária.
A educação é “uma faca de dois gumes” nesse processo: pode ser usada para libertar ou escravizar o homem. Pelo o que aqui foi exposto, ela libertaráse for capaz de formar sujeitos conscientes, críticos e atuantes. Ela escravizará, se for usada para justificar a ordem posta, avessa a crítica evoltada para a técnica. É necessário criticar o hábito, pois na sua irracionalidade estáa semente da servidão.

REFERÊNCIAS
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ARISTÓTELES.Os modos e os objetos da justiça. In. A idéia de justiça da Platão a Rawls. SebastianoMaffettone e Salvatore Veca (orgns.). Tradução Karina Jannini. – São Paulo: Martins Fontes, 2005. P. 47 a 83.
BOÉTIE, Étienne de la. Discurso da Servidão Voluntária. Tradução Casemiro Linart. Vol. 304 (Coleção obra-prima de cada autor). São Paulo: Martin Claret, 2009.
BULFINCH, Thomas. O livro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Tradução Luciano Alves Meira. Vol. 45 (Coleção obra-prima de cada autor. Série ouro). São Paulo: Martin Claret, 2006.
BRANCO, Aberto Manuel Vara. A mitologia grega, uma concepção genial produzida pela Humanidade: os condicionantes religiosos e históricos na civilização helénica. Disponível em http://repositorio.ipv.pt/handle/10400.19/424. Data do acesso: 15/11/11.
Dicionário Aurélio Online. Disponível em: http://74.86.137.64-static.reverse.softlayer.com/. Data do acesso: 19/11/11.
GONTIJO, Eduardo Dias; LUCERO, Ariana e RIBEIRO, Lucas Mello Carvalho.O ethos homérico, a cultura da vergonha e a cultura da culpa. Psyché, Vol. XII, Núm. 22, 2008 p. 125 a 138. Universidade de São Marcos. Disponível em http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?Cve=30711292010. Data do acesso: 16/11/11.
HOMERO. Ilíada. Tradução de Manoel Odorico Mendes. Saraiva, 2009. Disponível em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/iliadap.pdf. Data do acesso: 10/11/11.
LESKY, Albin. História da literatura grega. Tradução de Manuel Losa. Edição Fundação CalousteGulbenkian. Lisboa, 1995. p.1 a 112.
MELO, José Joaquim Pereira; MURARI, Juliana Cristina Faizano. Os poemas clássicos como fenômenos culturais estruturadores do antigo conceito grego educacional. Disponível em http://alb.com.br/arquivomorto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem12/COLE_2942.pdf. Data do acesso: 26/11/11.
MONTEIRO, Regina Clare. O símbolo na Literatura: um estudo sobre o conteúdo arquétipo de textos literários.Revista da educação, n° 8, vol. VIII. Campinas  AESA, 2005. Disponível em: http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/reduc/article/viewFile/177/18. Data do acesso 16/11/11.
SOUZA, Jovelina Maria Ramos de. A poesia grega como paidéia. Disponível em http://www.principios.cchla.ufrn.br/21P-195-213.pdf. Data do acesso 17/11/11.


[1]Artigo apresentado no I Colóquio de Direito e Literatura: A Leitura das Imagens do Direito. Coordenado pelo Professor Doutor Luiz Otávio Pereira. Realizado nos dias 01 e 02 de dezembro de 2011, no auditório do POEMA – Programa Pobreza e Meio Ambiente/ Universidade Federal do Pará.
[2]É acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará. Também é monitor das disciplinas Introdução a Ciência do direito e Ética Jurídica.