quarta-feira, 30 de janeiro de 2013


O PÓS-POSITIVISMO E O LIBERALISMO PONDERADO DE RONALD DWORKIN[1] 
                   André Andrade[2] 
INTRODUÇÃO
          Acompanhando a história de nossa humanidade, podemos perceber que diversos pensadores já elaboraram estudos sobre a igualdade e a liberdade, esta última que se torna a característica central do Liberalismo (que vamos analisar mais afrente pelo prisma de Dworkin). Havia divergências nos estudos, basicamente duas correntes se sobressaiam. Uma em um primeiro momento, que defendia a supremacia da igualdade em detrimento à liberdade. Um dos mais notados representantes desta corrente é Aristóteles, que defende esta ideia muito claramente em Ética à Nicômaco[3]. Por outro lado, há outra que contribui com a ideia de que a liberdade deve estar acima do direito à igualdade. Temos aqui, um pensador bastante ilustre, que foi um assíduo colaborador com o pensamento liberal: Immanuel Kant em Fundamentação da Metafísica dos Costumes[4].
          Eis que surge Ronald Dworkin que trata da liberdade e da igualdade, não de maneira separada e dispara, mas de forma complementar. Este é o ponto que mais chama a atenção em sua teoria normativa, visto que nele é tratada a liberdade e igualdade como direitos que se regem juntos. Pode-se dizer que se trata de um liberalismo igualitário e ponderado. Além disto, Dworkin é considerado um Pós-positivista (apesar de ele mesmo não utilizar este termo), que considera que a moral e o direito não devem se separar, tanto no seu ato de legitimidade quanto na sua decisão jurídica. Esta é uma corrente que se relaciona com o positivismo, tanto para negar alguns de seus preceitos, como para a melhora de outros. O pós-positivismo e o liberalismo dworkiano se relacionam de forma complementar, com a liberdade e igualdade dada ao aplicador do direito em sua decisão influenciada pela moral estrutural do próprio direito, mas seguindo restrições normativas. Tomando como base a introdução do livro Levando os direitos a sério desencadearemos algumas análises do filósofo Ronald Dworkin. Expondo assim, algumas características que o levam a ser considerado pós-positivista e liberalista, algumas críticas elaboradas por ele a outras teorias, bem como críticas à própria teoria liberalista tradicional.
 1 A TEORIA DOMINANTE DO DIREITO
          Dworkin inicialmente elabora críticas ao sistema que é considerado “por muitos como uma teoria liberal”[5], que deturpa a corrente liberal que ele defende, acabando assim, por deixar na visão social uma mancha no que se diz respeito ao liberalismo. Ele denomina esta teoria de teoria dominante do direito, esta que possui duas teorias principais. O primeiro diz respeito ao Positivismo que insiste em reduzir “o direito a um conjunto de regras contidas nos jornais oficiais e nos sumários de jurisprudência”[6], visto que ele nega a utilização da moral política estrutural que é decorrente do direito e faz referência ao subjetivismo das autoridades de aplicação (somente o uso do poder discricionário) , que não é o que defende Dworkin, como muitos leitores acabam concluindo. Em segundo, vê-se a teoria Utilitarista defendendo o ponto de vista de que apenas o bem-estar da sociedade deve ser levado em conta pelas instituições de direito. O que é um erro enorme. Dworkin defende a ponderação do liberalismo, mas não uma exacerbada segurança da igualdade social que acaba por desconjuntar a liberdade social. 
          Em nenhum momento Dworkin chega a desprezar o positivismo, na verdade a sua busca é pela melhora do mesmo. Ele elabora uma teoria geral do direito, que deve se apropriar de uma parte conceitual e outra normativa, buscando sempre a sua relação. Se deve ter aqui, um ordenamento jurídico que norteará decisões futuras. Esta teoria geral do direito possui três diferentes teorias (ou momentos) a da legitimidade legislativa, da decisão judicial e da observância da lei. Na primeira teoria, deve haver uma exposição dos objetivos e motivos ao qual estão submetidos os legisladores, de uma forma que possam estes ser os detentores do direito de legislar. A teoria da decisão judicial é aplicada com o objetivo de decidir os parâmetros que serão utilizados pelos juristas para o resultado de casos de extrema dificuldade, devendo assim serem norteados pelo que ele chama de “teoria da controvérsia”. De outro modo, a teoria da observância da lei “deve distinguir e discutir dois papéis”, ou seja, primeiro uma vigilância da lei e da obrigação dada ao cidadão de obediência normativa, com as devidas relações de estado e circunstância, segundo deve ser feita a revisão do conteúdo punitivo desta norma e o modo de agir dos representantes públicos perante a infração das diversas variedades da norma.
          Esta análise tem por objetivo mais uma vez salientar que ele não chega a negar totalmente o positivismo. Dworkin objetiva também uma obediência à norma, apesar de considerar a si mesmo como um moralista, ele consegue fazer uma fusão de alguns preceitos positivos com os morais, acabando por se confirmar a denominação de Pós-positivista empregada a ele.

2 O PÓS-POSITIVISMO DWORKIANO EM FRENTE AOS “HARD CASE’S”
          Dworkin elabora certas críticas ao positivismo posto por Hart, mas quanto aos casos difíceis, podemos considera-los próximos. Hart defende que as autoridades de aplicação do direito devem fazer uso de seu poder discricionário nos casos de difícil decisão em que o direito acaba por gerar controvérsias.[7] Segue uma citação de Hart que esclarece esse ponto de convergência dos dois autores:

Não obstante esta aparência de uma doutrina sem alterações, a introdução por Dworkin, mais tarde, das ideias interpretativas na sua teoria jurídica e sua pretensão de que todas as proposições de direito são interpretativas, no sentido especial que ele tem dado a esta expressão, aproximou muito o essencial de sua posição do da minha própria posição, quando reconheceu que os tribunais exercem frequentemente um poder discricionário de criação do direito. (Hart, 1961, p. 191).
          É no capitulo quarto da obra Levando os direitos a sério, que ele trata sobre os casos de difícil veredito, por uma visão da corrente pós-positivista. Dworkin não chega a aceitar completamente a ideia dada pelo positivismo, ele elabora uma teoria ainda melhor do que esta. Não se pode dizer, segundo Dworkin, que o juiz tem simplesmente de usar o poder discricionário sem levar em considerações dois pontos fundamentais: os argumentos de política e argumentos de principio. No argumento de políticas são tomadas decisões políticas para serem justificadas de acordo com este argumento, uma decisão judicial que protegerá um objetivo (grifo meu) coletivo. O argumento de princípio vem para justificar também decisões políticas, mas com argumentos que vêm demostrar ou garantir direitos (grifo meu). O legislador é autorizado a utilizar os dois tipos de argumentação no momento de criar regras. Caso o juiz se depare com um caso difícil, deverá fazer uso apenas dos argumentos de principio e levar em consideração que deve elaborar uma decisão que estaria presente em uma norma legislativa se este tivesse oportunidade para cria-la. Mas seria este o modo que eliminaria todos os erros da decisão judicial? Em nenhum momento Dworkin chega a declarar esta teoria como a teoria perfeita, existirão sempre controvérsias e discursões, mas essa seria a forma que melhor se adequa para a diminuição dessas discordâncias.

3  CRÍTICA A RAWLS E O LIBERALISMO DA IGUALDADE DE DWORKIN
          Dworkin reinterpreta alguns pressupostos do liberalismo tradicional, para entendermos como funciona o “liberalismo da igualdade” é necessário que analisemos certas críticas feitas a John Rawls. Em 1971, Rawls publicou Uma teoria da justiça[8], nesta obra ele elabora instruções para se criar bases para a justiça que regeriam a sociedade. Aqui ele defende uma situação hipotética, onde os alicerces deste conceito de justiça se dariam por um contrato e que posteriormente viria à formulação de uma constituição. Essas pessoas estariam influenciadas ainda pelo chamado “Véu da Ignorância” conheceriam seus interesses, mas não conheceriam de fato algumas das suas próprias características nesta sociedade como posição social, posição financeira, etc. Rawls defende a ideia de que se assim fosse, os indivíduos optariam pelos seguintes princípios de justiça: Todos teriam direito as liberdades básicas, tais como direito a voto, direito a expressar-se sobre assuntos políticos, etc. E em segundo lugar, as disparas distribuições de riquezas poderiam ser consideradas caso fossem em prol do beneficio coletivo. Sempre que os dois princípios entrarem em controvérsias, o primeiro se sobressai. Dworkin refuta essa ideia, primeiro diz que o primeiro princípio não se destacaria em detrimento do segundo, visto que um ser racional não abandonaria suas riquezas para o benefício da liberdade coletiva. Outro ponto que Dworkin supõe é que sob o véu da ignorância, as pessoas teriam a possibilidade de escolher princípios de justiça não igualitários, buscando se beneficiar sobre outros indivíduos. Achar que escolheriam somente estes princípios de liberdades básicas seria ter uma visão muito conservadora sobre o caráter do ser. Outro ponto de extrema importância para mostramos a igualdade do liberalismo dworkiano é quando este defende a ideia de que o fundamento do princípio de justiça deriva do direito originário que todos devem ser tratados de forma igualitária. Dworkin confere a legitimidade do primeiro principio a igualdade, por que afirma que os indivíduos têm iguais considerações para a criação dessas instituições politicas. Assim, podemos perceber que Dworkin não é um mero liberalista, mas um modo aperfeiçoado do termo, um liberalista mais igualitário.

CONCLUSÃO
          A filosofia de Ronald Dworkin se respalda em princípios do próprio Direito e assim se difere de outras correntes de pensamento jurídicos, com bons argumentos e novos pontos a serem analisados que vão além do que este pequeno paper expressa. Os pontos mostrados aqui deixam claro que houve uma melhoria do Direito que vem trazer novas questões e analisar novos aspectos, não é atoa que Dworkin é posto na linha de frente do Pós-positivismo. É de extrema importância a leitura das obras de Dworkin para entender este momento de transição, uma passagem da Modernidade à Pós-modernidade, mas aqui fica uma dúvida colossal: Estamos numa fase de transição ou já nos encontramos nessa Pós-modernidade?

REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo:Nova Cultura, 1973, Livro V, cap. 5, pag. 101.

BILLIER, Jean-Cassien e MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Trad. Maurício de Andrade. São Paulo: Manole, 2005, cap.10, p. 419.

DWORKIN, Ronald. Introdução. Levando os direitos a serio. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. VII-XXI

HART, H. L. A. Questões persistentes. O conceito de direito. Trad. Antonio Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009, cap. X, pag. 191.

RAWLS, John. Uma teoria de justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, cap. 2, pag. 57.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Editora Abril, Col. Os Pensadores, SP, 1973, sessão 2, pag. 39.




[1] Paper apresentado à disciplina Introdução a ciência do direito, ministrada pelo professor Luiz Otávio, tendo como texto base a bibliografia: DWORKIN, Ronald. Introdução. In. Levando os direitos a serio. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. VII-XXI.
[2] Discente regularmente matriculado no curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ciências Jurídicas Universidade Federal do Pará, cujo número de matricula é 12015012801.
[3] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo:Nova Cultura, 1973, Livro V, cap. 5.
[4] Kant, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Editora Abril, Col. Os Pensadores, SP, 1973, sessão 2.
[5] DWORKIN, Ronald. Introdução. In.  Levando os direitos a serio. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.VII
[6] BILLIER, Jean-Cassien e MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Trad. Maurício de Andrade. São Paulo: Manole, 2005, p.428.
[7] HART, H. L. A. Questões persistentes. O conceito de direito. Trad. Antonio Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009, cap. X, pag. 191.
[8] RAWLS, John. Uma teoria de justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, cap. 2.