O PÓS-POSITIVISMO E O LIBERALISMO
PONDERADO DE RONALD DWORKIN[1]
André Andrade[2]
INTRODUÇÃO
Acompanhando a história de nossa
humanidade, podemos perceber que diversos pensadores já elaboraram estudos
sobre a igualdade e a liberdade, esta última que se torna a característica
central do Liberalismo (que vamos analisar mais afrente pelo prisma de Dworkin).
Havia divergências nos estudos, basicamente duas correntes se sobressaiam. Uma
em um primeiro momento, que defendia a supremacia da igualdade em detrimento à
liberdade. Um dos mais notados representantes desta corrente é Aristóteles, que
defende esta ideia muito claramente em Ética
à Nicômaco[3].
Por outro lado, há outra que contribui com a ideia de que a liberdade deve
estar acima do direito à igualdade. Temos aqui, um pensador bastante ilustre,
que foi um assíduo colaborador com o pensamento liberal: Immanuel Kant em Fundamentação da Metafísica dos Costumes[4].
Eis que surge Ronald Dworkin que trata
da liberdade e da igualdade, não de maneira separada e dispara, mas de forma
complementar. Este é o ponto que mais chama a atenção em sua teoria normativa,
visto que nele é tratada a liberdade e igualdade como direitos que se regem
juntos. Pode-se dizer que se trata de um liberalismo igualitário e ponderado.
Além disto, Dworkin é considerado um Pós-positivista (apesar de ele mesmo não
utilizar este termo), que considera que a moral e o direito não devem se
separar, tanto no seu ato de legitimidade quanto na sua
decisão jurídica. Esta é uma corrente que se relaciona com o positivismo, tanto
para negar alguns de seus preceitos, como para a melhora de outros. O
pós-positivismo e o liberalismo dworkiano se relacionam de forma complementar,
com a liberdade e igualdade dada ao aplicador do direito em sua decisão
influenciada pela moral estrutural do próprio direito, mas seguindo restrições
normativas. Tomando como base a introdução do livro Levando os direitos a sério desencadearemos algumas análises do
filósofo Ronald Dworkin. Expondo assim, algumas características que o levam a
ser considerado pós-positivista e liberalista, algumas críticas elaboradas por
ele a outras teorias, bem como críticas à própria teoria liberalista
tradicional.
Dworkin inicialmente elabora críticas
ao sistema que é considerado “por muitos como uma teoria liberal”[5], que
deturpa a corrente liberal que ele defende, acabando assim, por deixar na visão
social uma mancha no que se diz respeito ao liberalismo. Ele denomina esta
teoria de teoria dominante do direito, esta que possui duas teorias principais.
O primeiro diz respeito ao Positivismo que insiste em reduzir “o direito a um
conjunto de regras contidas nos jornais oficiais e nos sumários de
jurisprudência”[6],
visto que ele nega a utilização da moral política estrutural que é decorrente
do direito e faz referência ao subjetivismo das autoridades de aplicação
(somente o uso do poder discricionário) , que não é o que defende Dworkin, como
muitos leitores acabam concluindo. Em segundo, vê-se a teoria Utilitarista
defendendo o ponto de vista de que apenas o bem-estar da sociedade deve ser
levado em conta pelas instituições de direito. O que é um erro enorme. Dworkin
defende a ponderação do liberalismo, mas não uma exacerbada segurança da
igualdade social que acaba por desconjuntar a liberdade social.
Em nenhum momento Dworkin chega a
desprezar o positivismo, na verdade a sua busca é pela melhora do mesmo. Ele
elabora uma teoria geral do direito, que deve se apropriar de uma parte
conceitual e outra normativa, buscando sempre a sua relação. Se deve ter aqui,
um ordenamento jurídico que norteará decisões futuras. Esta teoria geral do
direito possui três diferentes teorias (ou momentos) a da legitimidade
legislativa, da decisão judicial e da observância da lei. Na primeira teoria,
deve haver uma exposição dos objetivos e motivos ao qual estão submetidos os
legisladores, de uma forma que possam estes ser os detentores do direito de
legislar. A teoria da decisão judicial é aplicada com o objetivo de decidir os
parâmetros que serão utilizados pelos juristas para o resultado de casos de
extrema dificuldade,
devendo assim serem norteados pelo que ele chama de “teoria da controvérsia”.
De outro modo, a teoria da observância da lei “deve distinguir e discutir dois
papéis”, ou seja, primeiro uma vigilância da lei e da obrigação dada ao cidadão
de obediência normativa, com as devidas relações de estado e circunstância,
segundo deve ser feita a revisão do conteúdo punitivo desta norma e o modo de
agir dos representantes públicos perante a infração das diversas variedades da
norma.
Esta análise tem por objetivo mais uma
vez salientar que ele não chega a negar totalmente o positivismo. Dworkin
objetiva também uma obediência à norma, apesar de considerar a si mesmo como um
moralista, ele consegue fazer uma fusão de alguns preceitos positivos com os
morais, acabando por se confirmar a denominação de Pós-positivista empregada a
ele.
2 O PÓS-POSITIVISMO DWORKIANO EM
FRENTE AOS “HARD CASE’S”
Dworkin elabora certas críticas ao
positivismo posto por Hart, mas quanto aos casos difíceis, podemos
considera-los próximos. Hart defende que as autoridades de aplicação do direito
devem fazer uso de seu poder discricionário nos casos de difícil decisão em que
o direito acaba por gerar controvérsias.[7]
Segue uma citação de Hart que esclarece esse ponto de convergência dos dois
autores:
Não
obstante esta aparência de uma doutrina sem alterações, a introdução por
Dworkin, mais tarde, das ideias interpretativas na sua teoria jurídica e sua
pretensão de que todas as proposições de direito são interpretativas, no
sentido especial que ele tem dado a esta expressão, aproximou muito o essencial
de sua posição do da minha própria posição, quando reconheceu que os tribunais exercem
frequentemente um poder discricionário de criação do direito. (Hart, 1961, p.
191).
É no capitulo quarto da obra Levando os direitos a sério, que ele
trata sobre os casos de difícil veredito, por uma visão da corrente
pós-positivista. Dworkin não chega a aceitar completamente a ideia dada pelo
positivismo, ele elabora uma teoria ainda melhor do que esta. Não se pode
dizer, segundo Dworkin, que o juiz tem simplesmente de usar o poder
discricionário sem levar em considerações dois pontos fundamentais: os
argumentos de política e argumentos de principio. No argumento de políticas são
tomadas decisões políticas para serem justificadas de acordo com este
argumento, uma decisão judicial que protegerá um objetivo (grifo meu) coletivo. O argumento de princípio vem para
justificar também decisões políticas, mas com argumentos que vêm demostrar ou
garantir direitos (grifo meu). O
legislador é autorizado a utilizar os dois tipos de argumentação no momento de
criar regras. Caso o juiz se depare com um caso difícil, deverá fazer uso
apenas dos argumentos de principio e levar em consideração que deve elaborar
uma decisão que estaria presente em uma norma legislativa se este tivesse
oportunidade para cria-la. Mas seria este o modo que eliminaria todos os erros da
decisão judicial? Em nenhum momento Dworkin chega a declarar esta teoria como a
teoria perfeita, existirão sempre controvérsias e discursões, mas essa seria a
forma que melhor se adequa para a diminuição dessas discordâncias.
3
CRÍTICA A RAWLS E O LIBERALISMO DA IGUALDADE DE DWORKIN
Dworkin reinterpreta alguns
pressupostos do liberalismo tradicional, para entendermos como funciona o
“liberalismo da igualdade” é necessário que analisemos certas críticas feitas a
John Rawls. Em 1971, Rawls publicou Uma teoria
da justiça[8],
nesta obra ele elabora instruções para se criar bases para a justiça que
regeriam a sociedade. Aqui ele defende uma situação hipotética, onde os
alicerces deste conceito de justiça se dariam por um contrato e que
posteriormente viria à formulação de uma constituição. Essas pessoas estariam
influenciadas ainda pelo chamado “Véu da Ignorância” conheceriam seus
interesses, mas não conheceriam de fato algumas das suas próprias
características nesta sociedade como posição social, posição financeira, etc.
Rawls defende a ideia de que se assim fosse, os indivíduos optariam pelos
seguintes princípios de justiça: Todos teriam direito as liberdades básicas,
tais como direito a voto, direito a expressar-se sobre assuntos políticos, etc.
E em segundo lugar, as disparas distribuições de riquezas poderiam ser
consideradas caso fossem em prol do beneficio coletivo. Sempre que os dois
princípios entrarem em controvérsias, o primeiro se sobressai. Dworkin refuta
essa ideia, primeiro diz que o primeiro princípio não se destacaria em
detrimento do segundo, visto que um ser racional não abandonaria suas riquezas
para o benefício da liberdade coletiva. Outro ponto que Dworkin supõe é que sob
o véu da ignorância, as pessoas teriam a possibilidade de escolher princípios
de justiça não igualitários, buscando se beneficiar sobre outros indivíduos.
Achar que escolheriam somente estes princípios de liberdades básicas seria ter
uma visão muito conservadora sobre o caráter do ser. Outro ponto de extrema
importância para mostramos a igualdade do liberalismo dworkiano é quando este
defende a ideia de que o fundamento do princípio de justiça deriva do direito
originário que todos devem ser tratados de forma igualitária. Dworkin confere a
legitimidade do primeiro principio a igualdade, por que afirma que os
indivíduos têm iguais considerações para a criação dessas instituições
politicas. Assim, podemos perceber que Dworkin não é um mero liberalista, mas
um modo aperfeiçoado do termo, um liberalista mais igualitário.
CONCLUSÃO
A filosofia de Ronald Dworkin se
respalda em princípios do próprio Direito e assim se difere de outras correntes
de pensamento jurídicos, com bons argumentos e novos pontos a serem analisados
que vão além do que este pequeno paper expressa. Os pontos mostrados aqui
deixam claro que houve uma melhoria do Direito que vem trazer novas questões e
analisar novos aspectos, não é atoa que Dworkin é posto na linha de frente do
Pós-positivismo. É de extrema importância a leitura das obras de Dworkin para
entender este momento de transição, uma passagem da Modernidade à
Pós-modernidade, mas aqui fica uma dúvida colossal: Estamos numa fase de
transição ou já nos encontramos nessa Pós-modernidade?
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução
Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo:Nova Cultura, 1973, Livro V, cap.
5, pag. 101. BILLIER, Jean-Cassien e MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Trad. Maurício de Andrade. São Paulo: Manole, 2005, cap.10, p. 419.
DWORKIN, Ronald. Introdução. Levando os direitos a serio. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. VII-XXI
HART, H. L. A. Questões persistentes. O conceito de direito. Trad. Antonio Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009, cap. X, pag. 191.
RAWLS, John. Uma teoria de justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, cap. 2, pag. 57.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Editora Abril, Col. Os Pensadores, SP, 1973, sessão 2, pag. 39.
[1] Paper apresentado à disciplina
Introdução a ciência do direito, ministrada pelo professor Luiz Otávio, tendo
como texto base a bibliografia: DWORKIN, Ronald. Introdução. In. Levando os direitos a serio. Trad.
Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. VII-XXI.
[2] Discente regularmente
matriculado no curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas Universidade Federal do Pará, cujo número de matricula é 12015012801.
[3] ARISTÓTELES. Ética a
Nicômaco. Tradução Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo:Nova
Cultura, 1973, Livro V, cap. 5.
[4] Kant, Immanuel.
Fundamentação da Metafísica dos
Costumes, Editora Abril, Col. Os Pensadores, SP, 1973, sessão 2.
[5] DWORKIN, Ronald. Introdução. In. Levando
os direitos a serio. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002, p.VII
[6] BILLIER, Jean-Cassien e
MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Trad. Maurício de Andrade.
São Paulo: Manole, 2005, p.428.
[7] HART, H. L. A. Questões
persistentes. O conceito de direito. Trad. Antonio Sette-Câmara. São
Paulo: Martins Fontes, 2009, cap. X, pag. 191.
[8] RAWLS, John. Uma teoria de justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves.
São Paulo: Martins Fontes, 1997, cap. 2.