quarta-feira, 30 de novembro de 2011

I COLóQUIO DIREITO E LITERATURA: a leitura das imagens do direito



PROGRAMAÇÃO

Dia 01/12
8h 30m – Credenciamento e Preparação
9h – Painel inaugural –DESVELANDO AS MÁSCARAS DOS DIREITOS: as idéias de Marx na literatura. - Luiz Otávio
10h –Ana Carolina – Tema a confirmar
11h – “O HOMEM DE CABEÇA DE PAPELÃO: um retrato ficcional do paradigma do mundo jurídico moderno”. – Victor Russo
14h 00m – "A MULHER E O DIREITO NA LITERATURA: evoluções do gênero" – Vitor Melo
15h 00m – “A OUTRA FACE DO MERCADOR DE VENEZA” – Vitor Marcellino
16h 00m – “DIREITO NA LITERATURA DE LARANJA MECÂNICA” – Manoel Rufino
17h 00m – “O DIREITO EM BUSCA DA REPARAÇÃO”- Ana Laura Figueiredo

Dia 02/12
9h – “DITIRAMBOS JURÍDICOS EM LAVOURA ARCAICA”. – Nathalia Peixoto
10h – “PEQUENA HISTÓRIA DA SERVIDÃO DOS DEUSES E HERÓIS” – Gustavo Pereira
11h – “REVOLUÇÃO DOS BICHOS: uma análise jusliterária das relações de direito e poder” – Karl Marx e Ciro Brito
14h – Filme: O JULGAMENTO DE NUREMBERG – Comentários: Prof. Dr. Antonio Maués.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A GUERRA DE TODOS CONTRA TODOS

Ismael Oliveira de Souza
Mariana Barbosa de Sousa

A justiça é a vingança do homem em sociedade,
como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem.
Epícuro

1 A CONDIÇÃO NATURAL DA HUMANIDADE

Os homens são iguais por natureza no que concerne as faculdades do corpo e da mente. E, se por vezes, percebe-se diferenças, elas não são tão consideráveis. Aristóteles (2007) sustenta essa proposição quando fala de virtudes. Ele afirma que a todos os homens a natureza confere capacidade de apreenderem virtudes. Os benefícios que um reivindicar, o outro poderá assim o pretender, e para alcançar tais benefícios, eles terão a mesma esperança e a mesma atitude de lançar-se a disputa, se preciso for.
Deste modo, a natureza humana apresenta três causas principais de contenda entre os homens: a rivalidade, a desconfiança e o orgulho. A rivalidade leva os homens a recorrerem à violência para tornar-se senhores das coisas que os cercam. A desconfiança aparece para a defesa daquilo que foi conquistado. Por fim, o orgulho move os homens à contenda por meio de frivolidades, como por exemplo, uma divergência de opiniões ou qualquer outro sinal de falta de estima.
Enquanto, em Platão (2000) e Aristóteles (2007) a virtude maior está assentada na justiça; em Agnes Heller (1998), na razão em condições de liberdade; para Hobbes a virtude maior assenta-se na paz, cuja condição de guerra é contrária. Assim, destacam-se as paixões por meio das quais os homens anseiam a paz: o medo da morte, o desejo de coisas necessárias a uma vida agradável e a esperança de obtê-las com a própria atividade engenhosa.

2 A PRIMEIRA E A SEGUNDA LEI NATURAL

O Direito Natural, jus naturale, é a liberdade que cada um tem de, segundo seus próprios juízos e razão, fazer o que estiver ao seu alcance para a conservação de sua própria natureza. Seguindo essa linha de pensamento, o principal dos bens é a autoconservação (ABBAGNANO, 2000). Entende-se por liberdade a ausência de obstáculos a uma determinada ação, o que não quer dizer que esta é totalmente neutralizada quando da presença de barreiras. Nesse sentido os homens têm direito a tudo, o que, por criar um clima de insegurança, os coloca em uma condição de guerra de todos contra todos. Nesse panorama, surgem as leis naturais, regras gerais descobertas pela razão que proíbem ou autorizam os homens a determinadas ações.
A primeira e fundamental lei natural ordena que os homens busquem a paz e a defendam com todos os meios que dispuserem, inclusive usando a guerra se assim tiver quer ser. Quanto à busca pela paz por meio da guerra, ela é identificada nas concepções de Friedrich Nietzsche (2005) como sendo um problema filosófico, a qual pode-se destacar a manifestação de Platão (2000, p. 21): "quanto aos homens, se se lhes faz mal, se tornam piores em relação a perfeição humana".

Como pode algo se originar do seu oposto, por exemplo, o racional do irracional, o sensível do morto, o lógico do ilógico, a contemplação desinteressada do desejo cobiçoso, a vida para o próximo do egoísmo, a verdade dos erros? (NIETZSCHE, 2005, p. 15)

Da lei natural fundamental, com a qual se ordena que os homens busquem a paz, deriva a segunda lei, segundo a qual os homens devem renunciar, isto é, transferir os seus direitos à medida que outros também estiverem dispostos a fazê-lo, quando acharem necessário à paz e à própria defesa.

3 TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS: contratos, pactos e doações

A transferência de direitos constitui ato voluntário. A pessoa que a faz sempre objetiva um bem para si, ainda que seja apenas ser vista como uma pessoa bondosa e magnânima. Por isso, há direitos que não se transfere, uma vez que se assim for feito, nenhum bem será alcançado, como por exemplo, o direito de autodefesa. Aquele que renunciá-lo, nisso não encontrará bem algum. De acordo com a ênfase que se dê aos envolvidos na transferência e no tempo de sua realização, surgem os contratos, os pactos e as doações.
Os contratos vêm a existência quando há uma transferência recíproca de direitos. Seguindo o modelo de Hans Kelsen: quando A renuncia o direito X, em troca do direito Y que B renunciou. O contrato nasce do poder da A sobre X e da necessidade de B sobre tal direito, e vice-versa.
Os pactos ou convenções são celebrados mediante transferência recíproca de direitos. Porém, um dos contratantes, de antemão, cumpre sua parte, e o outro a cumprirá posteriormente. No filme Motoqueiro Fantasma é celebrado um pacto entre Johnny Blaze (Nicolas Cage) e o demônio Mefistófeles. O demônio restitui a saúde do pai de Johnny em troca de posteriormente resgatar sua alma.
As doações são transferências não recíprocas, mas que ainda sim, objetivam a um bem, como no caso daquele que doa algo a alguém buscando ser bem visto entre seus companheiros. Aqui, apenas uma pessoa renuncia direito. Portanto, a doação depende da generosidade do doador, que renuncia o seu direito porque quer.

4 AS OUTRAS LEIS NATURAIS

A partir da lei natural fundamental, que ordena os homens que busquem a paz, sucedem as demais leis, sendo que estas podem derivar umas das outras.
Da lei natural que obriga aos homens transferir direitos para manter a paz, segue uma terceira: que os homens devem manter os pactos que fizerem. O homem que cumpre essa lei é chamado de justo, enquanto seu oposto, de injusto. Para Platão (2000), os homens pactuam e, assim, estabelecem leis para não cometerem nem sofrerem injustiças. Logo, aí está a gênese e essência da justiça.
Assim como a justiça depende de um pacto, a gratidão depende de uma doação. A quarta lei ordena que um homem que recebe um benefício de outro por pura graça deve esforçar-se para que o doador não se arrependa da doação que fez. A infração a esta lei é a ingratidão.
A quinta lei natural é a complacência, isto é, que cada um deve esforçar-se para adaptar-se aos outros. O cumprimento dessa lei se encaixa no conceito de ética de Nelson Brissac (2007), pois suscita deixar as pessoas serem como elas são respeitando-as. O homem que não cumpre esta lei constitui um obstáculo para a sociedade. Ele é o insociável, bem como seu oposto é o sociável.
A sexta lei está assentada no perdão, o ato de conceder a paz: como prévia garantia para o futuro, um homem deve perdoar as ofensas passadas daqueles que, arrependidos, lhe pedirem perdão.
A sétima lei natural ordena que nas vinganças, os homens devem olhar não para a grandeza do mal passado, mas para a grandeza do bem que dele deve nascer. Esta lei, bem como parte da lei fundamental, também passa pelo problema filosófico acima elencado. No entanto, percebe-se em Hobbes o que seria o zigoto do período humanitário do Direito Penal. A violação desta lei natural é a crueldade.
Considerando que sinais de ódio e de desprezo são sementes da guerra, a oitava lei natural ordena que ninguém manifeste ódio ou desprezo por ninguém, seja com atos, palavras, comportamentos ou gestos. O indivíduo que a esse preceito não segue é o ultraje.
A natureza fez os homens iguais. Ainda que uns estejam mais aptos que outros a determinada atividade, como salientou Aristóteles (2007), cada um deve reconhecer o outro como seu igual por natureza para que todos possam estar em um estado de paz. Esse é o preceito da nona lei. A desobediência a ela é a soberba. Outra lei decorre da anterior e ordena que quando os homens entrarem em estado de paz, ninguém deve exigir para si próprio aquilo que não gostaria que fosse concedido aos outros. Os moderados obedecem a essa lei, os arrogantes a violam.
Ainda que haja uma inclinação ao cumprimento dessas leis naturais surgem duas questões concernentes a ação humana: questão de fato, se foi realizada ou não; questão de direito, caso realizada, se foi ou não contra a lei.
Portanto, faz parte da lei natural que quando houver uma controvérsia, os homens submetam o seu direito ao julgamento de um árbitro. Se assim não o for os litigantes julgarão em vista do próprio bem e a controvérsia permanecerá.
Essas são as leis naturais que ditam a paz como meio de conservação dos homens em sociedade. As leis analisadas não formam um conjunto fechado, uma vez que existem outras coisas que levam a destruição dos indivíduos, como a embriaguez e todos os tipos de intemperança. As leis naturais obrigam em foro interno, isto é, deseja-se que sejam realizadas, mas nem sempre em foro externo, ou seja, são realizadas. Elas são imutáveis e eternas, e se concentram numa fórmula concisa: não fazer a outrem aquilo que não gostarias que fizessem a ti mesmo.
O presente trabalho contribuiu para a formação do pensamento jurídico, a partir da observação da Ética, no sentido arrolar as condições necessárias para que os homens evitem problemas que têm reflexo na via judicial, ou se eles aparecerem os homens pensarão no convívio em sociedade, e se colocarão no lugar uns dos outros, buscando a resolução de controvérsias por meios pacíficos. É bem certo que a sociedade hoje está distante disso.


REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Ética. In. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 380-387.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2. Ed. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2007.
HELLER, Agnes. A dissolução do conceito ético-político de justiça na modernidade. In. Além da justiça. Trad. Savannah Hartmann. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1998, p. 111-144.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7. Ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. Trad. Paulo Cézar de Souza. São Paulo: Companhia das letras, 2005.
PEIXOTO, Nelson Brissac. Ver o invisível: a ética das imagens. In. Ética. Adauto Neves (Org.). São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 425-453.
PLATÃO. A república. 2. Ed. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2000.
ROULAND, Norbert. As brumas do direito. In. Nos confins do direito. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 01-29.

I COLÓQUIO DE DIREITO E LITERATURA

O Centro Acadêmico de Direito Edson Luis, tem a honra de convidar a comunidade acadêmica à atividade desenvolvida pelo projeto de extensão "Direito no cinema: literatura, arte e cultura" convida toda a comunidade acadêmica para o "I Colóquio - Direito e literatura: A leitura das imagens do direito", a ser realizado nos dias 1 e 2 de dezembro, no Auditório do POEMA/UFPA.
O estudo do direito visto através da ótica da literatura traz uma "nova" opção de leitura das imagens dos direitos, mostrando uma faceta diferente da usualmente mostrada no cinza das salas de aula, contribuindo assim com o fazer direito. O Colóquio contará com a exposição de trabalhos dos discentes que participaram da disciplina Direito e literatura, finalizando com a exibição dos filme O Julgamento de Nuremberg, comentado pelo Prof. Dr. Antônio Maués

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

DITIRAMBOS JURÍDICOS EM LAVOURA ARCAICA

Gustavo Freitas
Nathalia Peixoto



1 INTRODUÇÃO: as folhas

A divisão deste trabalho foi feita a sugerir a imagem de uma árvore (Folhas, Tronco, Ramo torto e Raízes) a justificativa e o prolongamento de uma imagem transmitida no filme de a família ser como uma árvore. Assim a introdução será as folhas, por estarem no topo da árvore lembram o superficial, o Pai é o “Tronco” pelo fato de a história girar em torno da lei moral do Pai em conflito com o “direito da impaciência” de André, o filho pródigo, por isso mesmo, André assim como a Mãe, Ana e Lula são o “ramo torto” marcado por uma cicatriz e por fim nossas conclusões são apresentadas nas “raízes” lembrando a profundidade e o debate que queremos levantar.
Devido à complexidade do trabalho, aqui, concentraremos nossa análise sobre as personagens centrais que, sem dúvida, são o Pai e André. Representam, respectivamente, a ordem e o caos, direito e revolução, apolíneo e dionisíaco – Da obra O nascimento da Tragédia, de Friedrich Nietzsche.
O enredo do filme “Lavoura Arcaica” (Filme de Luiz Fernando Carvalho, baseado na obra “Lavoura Arcaica” de Raduan Nassar) conta a história da volta de um filho (André) para casa, onde houve uma relação incestuosa com uma das irmãs (Ana). Na primeira parte do filme, Pedro, o irmão mais velho, vai buscar André no quarto de pensão onde este se encontra após ter saído de casa. Após o regresso, na segunda parte, o pai toma conhecimento do incesto e sugestivamente, como grande parte das ações do filme, mata Ana.
Não é uma narrativa linear, assim na primeira parte do filme, André recolhe recordações misturadas no tempo e no espaço. A narrativa se faz em primeira pessoa, colocando-se o narrador no ponto de vista de André e realizando um caminho de volta que se dá tanto no sentido espacial (da pensão, longe da família, na direção da casa) como também no sentido temporal.
A narrativa acompanha esse percurso da memória, deixando-se entrecortar pela conversa entre Pedro e André e a confissão deste sobre a relação incestuosa com Ana. A narrativa aponta para um universo primitivo, marcado desde o início pelo seu nome – Lavoura Arcaica - ; remetendo a sua origem, sua história e estrutura social.

2 O TRONCO
O ambiente de Lavoura Arcaica é o de uma comunidade rural, afastada das grandes cidades, é nesse local onde a lógica dos grandes centros, suas instituições político-jurídicas permanecem completamente distantes do homem interiorano, é o espaço onde o direito positivo perde toda sua eficácia. Em seu lugar vemos emergir o direito consuetudinário, o direito confunde-se com a moral, predomina o direito da família, a lei proferida pelo Pai.
Personagem fundamental, no filme, o Pai e sugerido como o “Tronco” daquela família, a lógica daquela sociedade, os filhos devem apagar o próprio desejo em função da Lei e do desejo do Pai. É ele quem delimita para a criança o campo social, apresenta o mundo exterior e suas leis. Os filhos devem ser como ramos desse tronco, ser uma parte do corpo, devem aceitar sua versão da história transmitida nas parábolas na mesa das refeições.
As parábolas do Pai são fonte de direito, simbolizam o domínio do Pai sobre os filhos e sendo que longe dele não há possibilidade de sobrevivência, como na parábola do faminto:
Uma vez o faminto foi ao castelo do soberano dos soberanos para ser saciado. Na entrada, os guardas do castelo falam que bastava se apresentar ao soberano para ter tudo que desejava. Ao entrar, o faminto só encontra limites, passou de aposento em aposento, todos de paredes altas, mas despojadas de qualquer mobília. Finalmente, vê-se diante do soberano, que lhe oferece comidas e bebida invisíveis. O faminto as aceita e ambos comem e bebem dessa forma. Após bastante tempo nesse ritual o soberano fala que o faminto será saciado por demonstrar ter a virtude das virtudes a paciência.
Assim, próximo a ele ninguém se sentirá inseguro ou desamparado. O Pai é uma majestade rústica. No seu reino a razão, o equilíbrio, a moderação e a paciência são as virtudes do rei e por extensão devem ser as virtudes dos filhos/súditos.
Sobre a influência da tradição socrática, segundo a interpretação de Nietzsche, podemos entender que o Pai buscava a clareza e a verdade o que tornaria a vida exemplarmente vivida, virtuosa. Portanto, no qual seria dissolvido tudo aquilo que era disforme, obscurecido ou simbólico, tratava-se da busca pela simplicidade estilística, que é exatamente o contrário das palavras proferidas por André: de uma profundidade muitas vezes obscurecida, avessa a objetividade, no qual suas falas tomam o lugar do próprio sentimento, “André denuncia a impossibilidade de equilíbrio” (RISSIN, p.5). Para Sócrates temos um destino: que toda vontade humana tem um sentido racional, o bom é o racional, logo ninguém quereria o mal conscientemente sabendo que se trata do mal. A vida se consistiria na busca do bem comum que só se daria depurando o bom do mau, esta depuração consistiria na própria felicidade.
O pensamento do Pai constitui-se em pensamento lógico, racional de uma clareza ofuscante, capaz de esmagar ou subjugar os pensamentos dos filhos e da Mãe. Representa, o ápice de uma razão apolínea é levada à cena a exatidão da logicidade que apesar de frutífera mãe de paradoxos aborta tudo de potencial pluralidade. Estima-se a clareza.
A crítica de Nietzsche se volta mais especificamente ao método de apreensão da ciência, que baseado na falsa busca pela verdade indiscutível chega ao patamar de norma, resultando num estado social de rebanho, tornando a regra de vida o refúgio e a proteção e não a estratégia e a ação, isto é, mais claramente, o comodismo.
A finalidade é a busca de segurança e de tranqüilidade, sob o preço do apagamento de toda a diferença, a inda que à custa do esvaziamento da própria regra para que, sob a forma conceitual possa abarcar indistintamente uma pluralidade de casos, irredutível em singularidade em sua única fórmula. (MELO, 2004, p.10).
Ficamos diante também da manifestação do egoísmo socrático, porque é quase exclusivamente inclinada para os métodos científicos de apreensão da realidade, mesmo diante do alto grau de acientificidade. Tudo que é novo, que é vanguardista, que é poeticamente visionário é entendido como mau por fazer uso indevido do tradicional, fazendo cair no esquecimento a força criadora do espírito humano. Porque só sendo injusto e mentiroso para não obedecer a regra, concluindo assim que “a eliminação do incomensurável é igualmente escopo do esclarecimento” (MELO, 2004, p.11).

3 RAMO TORTO: André e a desordem, o apolíneo e o dionisíaco
A possibilidade de desenvolvimento da arte está relacionada à pulsão divina do apolíneo-dionisíaco, trata-se de uma batalha infinita com momentos periódicos de reconciliação. O apolíneo é arte do figurador plástico, trata-se do universo artístico do sonho no filme, podemos fazer uma analogia com a lembrança dos esconderijos de menino no bosque, na sua mais bela aparência onírica das artes plásticas. O deus délfico exige de seus seguidores a ponderação, a medida, o autoconhecimento aliados a beleza estética, no qual o excesso e a desmedida tratam-se de pontos exteriores a esfera de adoração apolínea.
Apolo então interpretaria o dilacerar do fígado de Prometeu pelo abrute como conseqüência de sua desmedida sabedoria. Porém, o Apolo da austeridade, o Apolo da resistência ao caráter titânico não conseguia dissimular o quanto de titânico, de bárbaro era recôndito em si. E a austeridade apolínea rompia as barragens do artificialmente represado comedimento transmutando-se na beberagem mágica do dionisíaco. Dionísio, o deus da arte não figurada (música) transforma a estridência da desmesura do grito de liberdade de André, “a impaciência também tem seus direitos”, “em prazer, dor e conhecimento” (NIETZSCHE, 2007, p.38), pois é a miséria que filosofa. “O desmedido revela-se como verdade, a contradição, o deleite, nascido das dores, falava por si, desde o coração da natureza” (NIETZSCHE, 2007, p. 38).
Assim o era a existência para os gregos pré-socráticos, no qual até o lamento do filho-esposo de Jocasta transfigurava-se em hino de louvor à vida, eis aqui o motivo da morte do herói, pois para o indivíduo sentir-se digno de glorificação precisava inserir-se num plano divino superior de vontade de existência, assim as imagens dos deuses habitantes do Olimpo era a própria veneração da imagem da civilização grega. Aqui não nos fala a moralidade cristã, o dever, sequer a misericórdia, “aqui só nos fala uma opulenta e triunfante existência, onde tudo o que se faz é divinizado, não importando que seja bom ou mau” (NIETZSCHE, 2007, p.33). A nossa realidade tão lacunarmente, tão abissalmente obscurecida só pode tornar-se realmente digna de ser vivida através do caráter divinizatório das artes.
Há pessoas que, por falta de experiência, ou por embotamento de espírito, se desviam de semelhantes fenômenos como de “moléstias populares” e, apoiados no sentimento de sua própria saúde, fazem-se sarcásticas ou compassivas diante de tais fenômenos: essas pobres criaturas não têm, na verdade, idéia de quão cadavérica e espectral fica essa sua “sanidade”, quando diante deles passa bramando a vida cadente do entusiasta dionisíaco. (NIETZSCHE, 2007, p.27-28).

4 CONCLUSÃO: as raízes
A moralidade para Nietzsche se baseia na tradição, porém a tradição origina-se num primeiro longínquo momento na prática, uma ação que poderia ser considerada útil ou nociva, que com o passar dos anos passou a fazer parte da natureza, essa prática por afastar a sensação do medo e criar em nós a sensação da segurança eleva-se a autoridade de norma.
A moral resume-se, portanto na obediência, Para Nietzsche “o homem é a mais medrosa das criaturas e devemos compreender a moral a partir dessa sensação básica. O que suscita medo? A resposta é clara para o autor: o outro” (MELO, 2004, p.59), a uma norma, a obediência por medo da improvisação, por temer-se a liberdade. A segurança é vista indiscutivelmente, desde tempos imemoriais, como a divindade suprema. Nietzsche então passa a criticar o fato de que a moral perdeu, decorrido o longo tempo, o contexto com a sua experiência, motivo originário e passam a “valer não pelo que significaram enquanto valoração, mas sim por sua antiguidade, santidade e sua indiscutibilidade” (MELO, 2004, p.64). A moral não se fundaria assim no costume em si mas no sentimento do costume. Assim é que o sentimento do costume vai ditar a normalidade: satisfazendo a regra de que todas as nossas ações devem ser calculadas, justificadas (mesmo que seja no sentimento do costume). Eis que nos baseamos no irracionalismo: fundamentamo-nos em doutrinas muitas vezes consideramos falsas, prostrando-nos em obediência a uma autoridade superior que se alimenta da força que é fruto da nossa própria obediência, esfacelando o que deu origem a própria obediência, que foi a utilidade, impedindo que a experiência seja vista como experiência renovada, calando assim a boca do entusiasta dionisíaco visionário, cujo sacrifício é praticado a cada nova (velha) geração. Assim a moral cristã ou socrática, baseia-se na “crueldade para consigo, na submissão de si: entra no conceito de homem mais ético da comunidade a virtude do sofrimento freqüente, da privação, da vida dura, da mortificação cruel.” (MELO, 2004, p.62-63). E é nisso, segundo o nosso ensimesmado filósofo que se converte em embrutecimento da humanidade, porque nos tornamos acríticos, deixamos de lado os nossos “Por quês”!

REFERÊNCIAS:

LAVOURA ARCAICA. Direção de Luiz Fernando Carvalho. Produção de Luiz Fernando Carvalho (s.1) Produzido por Videolar S/A Sob licença de Cannes Produções S/A, 2005, DVD, son.,color.
NIETZSCHE, Friedrich.O nascimento da tragédia. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
MELO, Eduardo Rezende. Nietzsche e a justiça: crítica e transvaloração. São Paulo: Perspectiva, FAPESP, 2004.
RISSIN, Ruth. O universo primitivo em Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. Disponível em: http://www.rio4.org.br/v2/artigos/o_universo_primitivo_de_lavoura_arcaica.pdf.