segunda-feira, 16 de maio de 2011

O SABER JURÍDICO E SUAS MOLDURAS RÍGIDAS

O direito se constitui historicamente como campo de saber realizando um movimento de autonomização em relação a outros campos, tais como a sociologia e a antropologia. Podemos afirmar que a lógica do direito é uma lógica binária, que pensa em categorias que não admitem anomalias, meios-termos, desvios. Não admite, portanto gradações ou hibridismos, na medida em que tudo tem um fundamento lógico-sistemático por meio de um sistema relacional de explicações, e isso traz conseqüências para a sua própria metodologia de ensino. Esta lógica binária está relacionada ao que Bourdieu chama de retradução do direito, vale dizer: ao tentar explicar os fatos sociais sob o prisma de categorias pré-determinadas, a lógica jurídica faz com que estes fotos percam a sua especificidade e originalidade. Em outras palavras, ao tentar encaixar fenômenos complexos em molduras rígidas, o direito desconsidera as peculiaridades. Assim, não se considera o contexto de produção da norma ou as relações de força que se estabelecem em seu interior e perpassam toda a confecção. Esta lógica insere fenômenos sociais complexos em contextos de sim-não, certo-errado, sem levar em conta as gradações, os liames, os interstícios, a complexidade.
Esta maneira de pensar direito representa um paradigma. Metoforicamente, paradigma é a lente por meio do qual se enxerga o mundo: ou seja, é um conjunto de valores, visões de mundo e representações que condicionam a forma por meio da qual os indivíduos lêem a realidade à sua volta. Kuhn define paradigma como uma serie de suposições, métodos e perspectivas, envolvendo uma verdadeira teoria ampliada que é formada por conceitos, modelos, analogias, valores, regras para a avaliação de teorias e formulação de problemas, princípios metafísicos, ou ainda pelo que ele chama de exemplos. E continua afirmando que abandonar o paradigma é deixar de praticar a ciência que este define. De fato, salienta que o problema dos paradigmas consiste no fato de tenderem a se tornar fechados e rígidos, de modo que os grandes progressos de uma ciência só acontecem quando os seus próprios paradigmas são desafiados e substituídos por novos paradigmas, constituindo-se ciências revolucionárias.
Como foi ressaltado, a noção de paradigma engloba o que Thomas Kuhn denominou de exemplares. Basicamente, os exemplares são soluções concretas de problemas que os estudantes encontram desde o início de sua educação científica, seja nos laboratórios, exames ou no fim dos capítulos dos manuais científicos. Assim uma forma de cristalização de paradigmas está diretamente relacionada ao ensino, que difunde a reforça a forma vigente de ver o mundo. Os exemplares são a parte mais importante de um paradigma, pois auxiliam na apreensão dos conceitos científicos e para estabelecer que os problemas são relevantes e de modo devem ser resolvidos funcionando como guias de ensino e pesquisa.
Bachelard, em perspectiva similar, destaca que, ao longo do progresso do pensamento científico, os conhecimentos se formam por rupturas. Valorizando a liberdade criadora, o autor ressalta que esta ruptura se dá pela imaginação, e é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado. Em linhas gerais, podemos dizer que os obstáculos são valores e intuições de caráter subjetivo e dificilmente são abandonados. O obstáculo se incrusta no conhecimento não questionado, podendo ser descrito como fator que impede o entendimento adequado de uma lição por um aluno, por exemplo, ou a forma que um professor profere sua aula. De certa forma, a noção de obstáculo epistemológico está diretamente associada à concepção de paradigma. Os homens, quando de deparam com algo que não consegue resolver, se afastam de entendimento mais inovador, trazendo como conseqüência a inércia. Mais propriamente, o instinto conservativo passa então a dominar, e cessa o crescimento espiritual. Desta forma, seria preciso fazer uma cartase intelectual e afetiva para adquirir o novo conhecimento e romper com o obstáculo. Este é o motivo pelo qual o saber é um ato de criação, e criar é sempre romper, de modo que quem rompe o obstáculo não se conforma com as situações dadas. Assim, há que se pensar contra o cérebro e não em consonância com ele.

Luiz Otavio Pereira

CRIME E CASTIGO - Exibição e Discussão

O projeto de extensão Direito no Cinema: Literatura, Arte e Cultura vem através deste convidar à toda comunidade acadêmica para assistir o filme: CRIME E CASTIGO, baseado na obra do escritor russo Fiódor Dostoiévski. Com comentários do Professor Dr. Sandro Alex Simoes - CESUPA.

Dia: 27/05/2011

Horário: 17h

Local: Mini Auditório do ICJ/Altos

OUTROS DIREITOS SÃO POSSÍVEIS?

OUTROS DIREITOS SÃO POSSIVEIS?

Luiz Otavio Pereira

Essa pergunta poderia ser respondida pelas principais correntes do pensamento contemporâneo ao conferirem centralidade ao papel do direito e da cidadania na construção de um Estado democrático. São exemplos, fora do liberalismo, pensadores tão diferentes como, de um lado, Foucault, que atribuiu ao direito, como forma de saber-poder, junto com o político e o econômico, o caráter de elemento constitutivo da sociedade. E, de outro, Habermas, para quem o direito, ancorado na moral e não mais na racionalidade instrumental-cognitiva da ciência, é o elemento estruturador da democracia.
            Mesmo as correntes contemporâneas de influência marxista parecem relativizar a noção do direito enquanto expressão superestrutural dos interesses econômicos de classe, para enfatizar a sua importância na formação da sociedade, especialmente a do “uso alternativo do direito” que, no Brasil, transformou-se em “direito alternativo” ou “insurgente, que seria da classe trabalhadora ou dos oprimidos em geral.
            Embora usado às vezes indistintamente, o “uso alternativo do direito” em função dos interesses populares se diferenciaria do “uso alternativo” que constituiria outro direito, próprio das classes exploradas, embrião de um poder alternativo. Assim, uma experiência isolada de mediação de conflito por uma associação de moradores numa área de ocupação de Belém. Ao qual poderíamos denominar de “direito da terra firme”. Que por uma ironia da historia, as associações de moradores dessa área de ocupação coletiva, além da desorganização do espaço urbano ainda enfrentam o problema da violência e o estigma que caracteriza os bairros periféricos das grandes cidades.
            Se o movimento socialista, de inspiração marxista, acabou, quando no poder, degenerando em totalitarismo, o liberalismo apoiou ditaduras autoritárias e costuma olhar a democracia de foram instrumental: ela é boa enquanto serve a seus interesses econômicos. A democracia, que é um valor universal é usada como ideologia de grupos dominantes que se revezam no poder conforme as regras do jogo em nome da democracia.
            Ora, a democracia não é apenas um regime político com partidos e eleições livres. É sobretudo uma forma de existência social. Democracia é uma sociedade aberta, que permite sempre a criação de novos direitos. Os movimentos sociais, nas suas lutas, transformaram os direitos declarados formalmente em direitos reais. As lutas pela liberdade e igualdade ampliaram os direitos civis e políticos da cidadania, criaram os direitos sociais, os direitos das chamadas “minorias” – crianças, velhos, minorias étnicas, e sexuais – e, pelas lutas ecológicas, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
            Um Estado democrático é aquele que considera o conflito legitimo. Não só trabalha politicamente os diversos interesses e necessidades particulares existentes na sociedade, como procura instituí-los em direitos universais reconhecidos formalmente. Os indivíduos e grupos organizam-se em associações, movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos constituindo um contra-poder do Estado. Uma sociedade democrática (uma universidade) não poderia cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, e está sempre aberta à ampliação dos direitos existentes e à criação de novos direitos.
A cidadania, definida pelos princípios da democracia, se constitui na criação de espaços sociais de luta travadas cotidianamente, através dos momentos sociais e na definição de instituições permanentes para a expressão política (ampliação dos espaços públicos), significando necessariamente conquista e consolidação social e política. A cidadania passiva, outorgada pelo Estado, se diferencia da cidadania ativa em que o cidadão, portador de direitos e deveres, é essencialmente criador de direitos para abrir novos espaços de participação na comunidade política.
            Na mesma linha, houve que associasse a cidadania ativa à proposta de democracia semi-direta, para o jurista Fábio Konder Comparato (baseada nos mecanismos constitucionais de referendo, plebiscito e iniciativa popular), assegurando, dessa forma, complementaridade entre representação política tradicional e participação popular direta. Esse tipo de concepção, fundada no dinamismo da criação e liberdade de novos sujeitos e novos espaços públicos, superaria a visão liberal do modelo do cidadão patriota proposta para toda a sociedade, como se ela fosse homogênea e unidimensional. A cidadania, em decorrência, implicaria na ligação necessária entre democracia, sociedade pluralista, educação política e democratização dos meios de comunicação de massa.
Num Estado democrático, cabe ao direito normativo de regular as relações interindividuais, as relações entre o individuo e o Estado, entre os direitos civis e os deveres cívicos, entre os direitos e deveres da cidadania, definindo as regras do jogo da vida democrática. A cidadania poderá, dessa forma, cumprir um papel libertador e contribuir para a emancipação humana, abrindo “novos espaços de liberdade”, por onde ecoarão as vozes de todos aqueles que, em nome da liberdade e da igualdade, sempre foram silenciados.
Cabe finalmente lembrar que os problemas que afetam a humanidade e o planeta atravessam fronteiras e tornam-se globais com o processo de globalização que se acelera no inicio do século. Questões como produção, comércio financeiro, migrações, pobreza, danos ambientais, desemprego, informatização, telecomunicações, enfim, as grandes questões econômicas, sociais, ecológicas e políticas deixaram de ser apenas nacionais, tornaram-se transnacionais. É nesse contexto que nasce hoje o conceito cidadão do mundo, de cidadania planetária que vem sendo paulatinamente construída pela sociedade civil de todos os países em contraposição ao poder político do Estado e ao poder econômico do mercado globalizado.


Estimular e provocar a comunidade jurídica para produzir os direitos direito.

Esta tela tem a finalidade de incentivar a publicação dos trabalhos realizados pela comunidade jurídica-polítca da UFPA, através da socialização das ideias inspiradas na produção de um saber jurídico critico-reflexivo, cujo principal objetivo é a formação de sujeitos preocupados com as transformações dos direitos nas sociedades complexas.
Venha navegar através dos direitos as margens do Rio Guamá!