segunda-feira, 16 de maio de 2011

OUTROS DIREITOS SÃO POSSÍVEIS?

OUTROS DIREITOS SÃO POSSIVEIS?

Luiz Otavio Pereira

Essa pergunta poderia ser respondida pelas principais correntes do pensamento contemporâneo ao conferirem centralidade ao papel do direito e da cidadania na construção de um Estado democrático. São exemplos, fora do liberalismo, pensadores tão diferentes como, de um lado, Foucault, que atribuiu ao direito, como forma de saber-poder, junto com o político e o econômico, o caráter de elemento constitutivo da sociedade. E, de outro, Habermas, para quem o direito, ancorado na moral e não mais na racionalidade instrumental-cognitiva da ciência, é o elemento estruturador da democracia.
            Mesmo as correntes contemporâneas de influência marxista parecem relativizar a noção do direito enquanto expressão superestrutural dos interesses econômicos de classe, para enfatizar a sua importância na formação da sociedade, especialmente a do “uso alternativo do direito” que, no Brasil, transformou-se em “direito alternativo” ou “insurgente, que seria da classe trabalhadora ou dos oprimidos em geral.
            Embora usado às vezes indistintamente, o “uso alternativo do direito” em função dos interesses populares se diferenciaria do “uso alternativo” que constituiria outro direito, próprio das classes exploradas, embrião de um poder alternativo. Assim, uma experiência isolada de mediação de conflito por uma associação de moradores numa área de ocupação de Belém. Ao qual poderíamos denominar de “direito da terra firme”. Que por uma ironia da historia, as associações de moradores dessa área de ocupação coletiva, além da desorganização do espaço urbano ainda enfrentam o problema da violência e o estigma que caracteriza os bairros periféricos das grandes cidades.
            Se o movimento socialista, de inspiração marxista, acabou, quando no poder, degenerando em totalitarismo, o liberalismo apoiou ditaduras autoritárias e costuma olhar a democracia de foram instrumental: ela é boa enquanto serve a seus interesses econômicos. A democracia, que é um valor universal é usada como ideologia de grupos dominantes que se revezam no poder conforme as regras do jogo em nome da democracia.
            Ora, a democracia não é apenas um regime político com partidos e eleições livres. É sobretudo uma forma de existência social. Democracia é uma sociedade aberta, que permite sempre a criação de novos direitos. Os movimentos sociais, nas suas lutas, transformaram os direitos declarados formalmente em direitos reais. As lutas pela liberdade e igualdade ampliaram os direitos civis e políticos da cidadania, criaram os direitos sociais, os direitos das chamadas “minorias” – crianças, velhos, minorias étnicas, e sexuais – e, pelas lutas ecológicas, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
            Um Estado democrático é aquele que considera o conflito legitimo. Não só trabalha politicamente os diversos interesses e necessidades particulares existentes na sociedade, como procura instituí-los em direitos universais reconhecidos formalmente. Os indivíduos e grupos organizam-se em associações, movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos constituindo um contra-poder do Estado. Uma sociedade democrática (uma universidade) não poderia cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, e está sempre aberta à ampliação dos direitos existentes e à criação de novos direitos.
A cidadania, definida pelos princípios da democracia, se constitui na criação de espaços sociais de luta travadas cotidianamente, através dos momentos sociais e na definição de instituições permanentes para a expressão política (ampliação dos espaços públicos), significando necessariamente conquista e consolidação social e política. A cidadania passiva, outorgada pelo Estado, se diferencia da cidadania ativa em que o cidadão, portador de direitos e deveres, é essencialmente criador de direitos para abrir novos espaços de participação na comunidade política.
            Na mesma linha, houve que associasse a cidadania ativa à proposta de democracia semi-direta, para o jurista Fábio Konder Comparato (baseada nos mecanismos constitucionais de referendo, plebiscito e iniciativa popular), assegurando, dessa forma, complementaridade entre representação política tradicional e participação popular direta. Esse tipo de concepção, fundada no dinamismo da criação e liberdade de novos sujeitos e novos espaços públicos, superaria a visão liberal do modelo do cidadão patriota proposta para toda a sociedade, como se ela fosse homogênea e unidimensional. A cidadania, em decorrência, implicaria na ligação necessária entre democracia, sociedade pluralista, educação política e democratização dos meios de comunicação de massa.
Num Estado democrático, cabe ao direito normativo de regular as relações interindividuais, as relações entre o individuo e o Estado, entre os direitos civis e os deveres cívicos, entre os direitos e deveres da cidadania, definindo as regras do jogo da vida democrática. A cidadania poderá, dessa forma, cumprir um papel libertador e contribuir para a emancipação humana, abrindo “novos espaços de liberdade”, por onde ecoarão as vozes de todos aqueles que, em nome da liberdade e da igualdade, sempre foram silenciados.
Cabe finalmente lembrar que os problemas que afetam a humanidade e o planeta atravessam fronteiras e tornam-se globais com o processo de globalização que se acelera no inicio do século. Questões como produção, comércio financeiro, migrações, pobreza, danos ambientais, desemprego, informatização, telecomunicações, enfim, as grandes questões econômicas, sociais, ecológicas e políticas deixaram de ser apenas nacionais, tornaram-se transnacionais. É nesse contexto que nasce hoje o conceito cidadão do mundo, de cidadania planetária que vem sendo paulatinamente construída pela sociedade civil de todos os países em contraposição ao poder político do Estado e ao poder econômico do mercado globalizado.


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