segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DOGMÁTICA JURÍDICA: resgate


DOGMÁTICA JURÍDICA: resgate[1]

 Keila Andreane Corrêa da Silva[2]

Os tempos em que vivemos hoje não mais correspondem às explicações até recentemente aceitas, sendo necessária a reformulação deste saber para uma possível compreensão dos fenômenos sociais.

Alexandre Bernardino Costa


INTRODUÇÃO

                Quando Luís Alberto Warat, em seu texto “O outro lado da Dogmática Jurídica”, defende o resgate da mesma (a qual estaria sendo destruída pela Transmodernidade, termo que o autor utiliza no lugar de Pós-Modernidade) e acusa o contradogmatismo de não apenas não compreender o que a dogmática é, mas também de formular críticas vazias a esta (críticas as quais só se justificariam em um estado de horror e não em um estado de direito), percebe-se uma postura em defesa do modernismo que Lemert (1997) classificaria como modernismo radical.

            Não se deve, no entanto, entender a defesa da dogmática de Warat como simples reacionarismo visando à proteção de um determinado quadro de opressão de uma classe dominante sobre outra dominada; o autor enxerga a dogmática como resultado de uma ficção que possibilita a existência do estado de direito e que pode se renovar continuamente. Seguindo a linha de pensamento de Kelsen (1999), o Direito seria uma criação jurídica baseada em uma ficção que dá sentido ao Direito, e não o resultado da luta histórica dos povos, ideia defendida por autores como Lyra Filho (2006) e Agostinho Ramalho Neto (2001).

            Analisar-se-á a seguir a concepção de Warat acerca da Dogmática Jurídica, em que se baseia sua crítica ao contradogmatismo e as influências da Pós-Modernidade[4] sobre o pensamento do autor.


1 WARAT E O MODERNISMO RADICAL

Segundo Jair Ferreira dos Santos (1989), pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, artes e sociedades avançadas desde 1950, ano convencionalmente indicado como o fim do modernismo.

Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela Filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência [...], sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural (DOS SANTOS, 1989, P. 08).

Para Charles Lemert (1997), uma das posições impositivas à questão do pós-modernismo é o modernismo radical. Enquanto os pós-modernos criticam as ilusões da cultura moderna – a qual defende a ideia de a humanidade compartilhar ideais ocidentais em sua busca pela felicidade -, acusando-a de restringir a liberdade humana; os modernistas radicais consideram tal crítica à modernidade perigosa. A corrente (cuja mais importante tradição encontra-se na Escola de Frankfurt) reconhece a existência de fracassos sociais em determinadas condições históricas, sem, contudo, os entender como falhas inerentes à modernidade.

A Escola de Frankfurt, que surgiu em plena Alemanha nazista, repensava textos da tradição iluminista e de grandes teóricos do século XIX, objetivando a produção de uma filosofia social crítica aos autores clássicos e à sociedade moderna. Os filósofos, devido ao contexto social em que viveram, temiam que os ideais iluministas de uma humanidade universal fossem distorcidos por homens como Hitler, o que os levou a criticarem o totalitarismo. O modernismo radical se permitiria criticar a modernidade no sentido de descobrir o potencial liberador da cultura moderna. A corrente não abandona os ideais humanistas, ideais que precisariam ser protegidos (LEMERT, 1997).

(...) essa tradição de modernismo radical foi originalmente forjada nas terríveis fornalhas do Holocausto, de onde vem seu resoluto compromisso de proteger o espírito humano. Esse é também um dos motivos do apego dos modernistas radicais aos sublimes princípios humanistas da era moderna. A tarefa em que estão envolvidos é, na experiência deles, séria demais para sacrificarem princípios conhecidos da emancipação pelo capricho de um pós-modernismo petulante que se apresenta com demasiada frequência no espetáculo da cultura popular (LEMERT, 1997, p. 65).

É possível estabelecer uma ponte com Warat neste sentido. O autor trata a pós-modernidade (ou “transmodernidade”, uma forma passiva da modernidade) como a “trivialização de tudo o que na modernidade representou o sonho de uma humanidade melhor” (1994, p. 82). Sua valorização de pelo menos alguns aspectos da modernidade é evidente. Warat deseja o resgate da dogmática jurídica em seu “desejo por um mundo melhor” (1994, p. 83), que tem seu lado positivo atrelado à fantasia.

Em um estado de direito, é a lei jurídica que garante a proteção, a cidadania e a liberdade dos sujeitos. A lei jurídica, por sua vez, só é compreensível em seu funcionamento quando se apoia na dogmática jurídica, que atua na organização da lei e da garantia abstrata do vínculo social (WARAT, 1994).

Estou tratando de ver a dogmática jurídica como a representação mental de um ponto de referência racional para a produção dos sentidos da lei do direito, que vai permitir impor ao julgador o seu poder sem anular, na ação (o desejo) dos homens, o valor da lei como condição de seus vínculos. Uma forma de outorga de poder ao julgador, deixando a salvo a possibilidade de que a lei possa servir para organizar a experiência social dos indivíduos (WARAT, 1994, p. 87).

A dogmática jurídica, em sua função de ficção criada pelos juristas (e relegada por estes a fatores heterônomos, como a História ou a Razão) que legitima o poder e o funcionamento do direito, seria essencial para o bem da sociedade e a segurança dos direitos do cidadão. Ela seria importante demais para se permitir ser negada por teorias pós-modernas atreladas a interesses do capitalismo tardio, o qual busca a substituição da lei de direito pela lei de mercado. A crítica de Warat também recai sobre o contradogmatismo, como será tratado a seguir.


2  O CONTRADOGMATISMO VAZIO E DESLOCADO NO TEMPO

Autores como Lyra Filho (2006) e Agostinho Ramalho Neto (2001) fazem parte de uma corrente denominada Materialismo Histórico (método de investigação desenvolvido por Karl Marx); eles enxergam o Direito como uma construção histórica dos indivíduos em decorrência de suas lutas e conquistas, entendendo o dogmatismo do Direito como uma forma de controle social imposto pelas classes dominantes da sociedade.

Para Kelsen (1999), no entanto, o Direito só deve ser vinculado à ideologia quando se entende pela palavra aquilo que não é realidade determinada por lei causal ou uma descrição dessa realidade. As normas jurídicas seriam construídas por atos de vontade tendo, portanto, sentido arbitrário (KELSEN, 1986). Contudo, o Direito Positivo (dogmático) não deve ser vinculado a ideologias no sentido de juízos de valor subjetivos que obscurecem o objeto do conhecimento (KELSEN, 1999). A crítica dirigida ao Direito Positivo de ser instrumento das classes dominantes é contradita (em teoria) na própria definição do mesmo, no entanto isso não impediu que ele fosse utilizado para a dominação das classes econômicas mais baixas ao longo da História.

O contexto em que os autores materialistas citados adotaram a postura contradogmática foi o da ditadura militar brasileira, caracterizada por um estado de horror implementado pelo governo, o qual não mais garantia os direitos dos cidadãos. O contradogmatismo nesse período fazia sentido, afinal tratava-se da necessidade de combater um regime opressor e seus instrumentos (incluindo-se o próprio Direito). Contudo, a realidade mudou. Vive-se no Brasil um regime democrático e não mais um estado de horror. As leis cumprem agora sua função de proteger as pessoas daqueles que tentam violar seus direitos usando como justificativa uma suposta superação da modernidade e seus ideais defasados (como o estado de bem-estar social). Os contradogmáticos que lutaram contra a ditadura deveriam, neste momento, defender a dogmática jurídica e o estado de direito, contudo, devido principalmente a fatores políticos, o contradogmatismo persiste em uma época em que não é mais necessário e acaba por auxiliar aqueles que combatem as instituições do estado de direito buscando vantagens pessoais.

Tal ponto de vista, defendido por Warat, implica que o contradogmatismo, por não ser mais necessário na atualidade, tornou-se vazio e verdadeiramente dogmático (no sentido de que se recusa a mudar, diferente da dogmática jurídica que possibilitaria alterações e adaptações), sendo, portanto, um fator que contribui para a instabilidade e erosão trazidas pela pós-modernidade. O melhor a se fazer seria resgatar a dogmática jurídica em suas partes positivas e submetê-la a análises críticas para melhorá-la, e não investir na ultrapassada e inútil posição contradogmática. Não seria por algo apresentar falhas que mereceria ser totalmente desconsiderado. É necessário buscar o aprimoramento do que já foi conquistado; perseguir um modelo perfeito é ingênuo e irresponsável.


CONCLUSÃO

            Warat pode ser considerado um modernista radical. Ele acredita em um ideal nascido no modernismo e, mesmo admitindo-o como falho e sujeito a críticas, o autor rechaça a ideia de negá-lo. A dogmática jurídica seria esse ideal que necessita ser protegido a todo custo, pois, caso contrário, o Direito perderia sua justificativa e legitimação e a convivência entre as pessoas estaria seriamente comprometida. A dogmática é necessária para se evitar o caos e o caos é tratado como o resultado (ou o objetivo) da pós-modernidade. Não é à toa que Warat se refere aos pós-modernistas pejorativamente como “horda” durante sua incansável defesa da dogmática.

            Os contradogmáticos também são alvos de críticas, sendo retratados como pessoas que se recusam a aceitar que os tempos e as necessidades humanas mudaram, e que eles estariam perdendo tempo em um combate fútil contra o inimigo errado. A opressão não é causada pela dogmática, mas pela negação do estado do direito. Uma democracia é diferente de uma ditadura, portanto criticar a dogmática jurídica seria como criticar o próprio estado de direito, o que é inaceitável. O contradogmatismo, estando esvaziado de sentido, deve ser deixado de lado. A dogmática jurídica precisa ser resgatada, reavaliada e, acima de tudo, protegida, ou a própria segurança social se desmanchará no ar.


REFERÊNCIAS

ABREU, Pedro Manoel. Limites e possibilidades da constituição de uma ciência do direito na visão epistemológica de Luis Alberto Warat. Disponível em: <http://tjsc25.tj.sc.gov.br/academia/arquivos/warat_limites_ciencia_direito.pdf> Acesso em: 03/06/2012.

DEMAR, Gary. Definindo o Pós-Modernismo. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em: < http://www.monergismo.com/textos/pos_modernismo/def-posmodernismo_demar.pdf> Acesso em: 04/06/2012.

DOS SANTOS, Jair Ferreira. O que é Pós-Moderno. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.

KELSEN, Hans. A norma. In: _______ Teoria Geral das Normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 01-11.

________. Direito e Ciência. In: _____. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 79-119.

LEMERT, Charles. Pós-Modernismo não é o que você pensa. Tradução: Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Loyola, 1997.

LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. São Paulo: Brasiliense, 2006.

MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A Ciência do Direito – Conceito, Objeto, Método. Rio de Janeiro, São Paulo: Renovar, 2001.

WARAT, Luís Alberto. O outro lado da dogmática jurídica. In: ROCHA, Leonel Severo (Org.), Teoria do Direito e do Estado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994, p. 81-95.



[1] Paper apresentado à disciplina Introdução à Ciência do Direito, ministrada pelo professor Luiz Otávio Pereira, a partir da leitura da bibliografia: WARAT, Luís Alberto. O outro lado da dogmática jurídica. In: ROCHA, Leonel Severo (Org.), Teoria do Direito e do estado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994.
[2] Discente regularmente matriculada no curso de Bacharelado em Direito/ Instituto de Ciências Jurídicas/ Universidade Federal do Pará, sob.
[3] Doutor em Direito pela Universidade de Buenos Aires e pós-Doutor pela Universidade de Brasília, onde também foi professor do mestrado e doutorado. Argentino, chegou ao Brasil em 1972, durante a ditadura militar. Considera-se que o pensamento de Warat passou por vários momentos (ABREU, Pedro Manoel. Limites e possibilidades da constituição de uma ciência do direito na visão epistemológica de Luis Alberto Warat. Disponível em: <http://tjsc25.tj.sc.gov.br/academia/arquivos/warat_limites_ciencia_direito.pdf> Acesso em: 03/06/2012.).
[4] Sistema de pensamento identificado com a anti-cosmovisão, negando a existência de qualquer verdade universal (DEMAR, Gary. Definindo o Pós-Modernismo. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto. Disponível em: < http://www.monergismo.com/textos/pos_modernismo/def-posmodernismo_demar.pdf> Acesso em: 04/06/2012).

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

OS FUNDAMENTOS DO DIREITO

 Luiz Otavio Pereira 
1    Problema

1.1 Sugerindo novos argumentos acerca da natureza do direito Dworkin coloca as algumas questões, que segundo ele próprio, fazem-se necessários: justifica-se o suposto elo entre direito e coerção? Faz sentido exigir que a força pública seja usada somente em conformidade com os direitos e responsabilidades que decorrem de decisões políticas anteriores? Se tal sentido existe, qual é ele? Que leitura de decorrer – que noção de coerência com decisões precedentes é mais apropriada?

1.2 Em resposta a essas questões, Dworkin examina três concepções: o convencionalismo, o pragmatismo jurídico e o direito como integridade. Nessa perspectiva, ele procura unificar moral individual, justificação legal e legitimação política, entendendo que o raciocínio jurídico é um exercício de interpretação construtiva, de que nosso direito constitui a melhor justificativa do conjunto de nossas praticas, e de que ele é a narrativa que faz dessas práticas as melhores possíveis.
 
2    Tese

2.1   Dworkin, vê nos processos judiciais uma dimensão moral, visto que se corre o risco permanente de uma forma inequívoca de injustiça pública. Um juiz argumenta Dworkin, deve decidir não simplesmente quem vai ter o quê, mas quem agiu bem, quem cumpriu com suas responsabilidades de cidadão, e quem, de propósitos, por cobiça ou responsabilidade, ignorou suas próprias responsabilidades para com os outros. Nesse contexto, segundo Dworkin, a menos que os juizes e advogados compartilhem critérios factuais sobre os fundamentos do direito, não poderá haver nenhuma idéia ou debate significativo sobre o que é o direito;
 
2.2 Dworkin pensa o direito como um conceito interpretativo, inserido numa comunidade que compartilha determinado paradigma de direito, o que o leva as considerações sobre a natureza das interpretações, na medida em que os intérpretes refletem sobre o direito no âmbito da sociedade, e não fora dela. Quando o direito mostra-se sensível às fricções e tensões de suas fontes intelectuais, podemos obter uma visão mais ampla de nossa cultura jurídica; os paradigmas são rompidos e surgem novos paradigmas. O direito é visto por Dworkin no plano paradigmático.

3 Raciocínio

3.1 Dworkin aponta uma nova ótica sobre o direito, compreendendo-se como fator estruturante de uma comunidade ética, no sentido de que ele possa ser observado como fonte de procedimentos adequados, assinalado pelos indivíduos-partes, inseridos em um determinado contexto jurídico.

4    Idéias secundárias

a.  Um bom do entendimento do direito como fenômeno social exige, opinião critica, considerando as diversas abordagens do fenômeno, deixando entrever como é difícil uma definição do direito que não seja relativa, devido ao fato de ele ligar-se ao próprio contexto histórico de uma determinada comunidade;

b.  A observação cientifica; constitui uma prática, com seu cortejo de regras, de conceitos, de instituições, e como um conhecimento, ou seja, como um modo específico de apreender os problemas da comunidade, enquanto parte dela, na perspectiva de fazer que pesem nesses fatos conseqüências jurídicas;

Análise crítica

5.1 Apesar de entender que não há como estabelecer uma tese para uma definição correta do que venha a ser o direito, percebemos a partir da leitura de Dworkin, que o direito é uma construção interpretativa, inserindo em um determinado paradigma. Também encontramos elemento justiça, como fundamental no âmbito da discussão que evolve a natureza do direito.

5.2 Temos a clareza de não ter o pedigree de Dworkin, mas percebemos que para ele a moral interage constantemente com o ordenamento jurídico, manifestando-se na forma de princípios, que integram o direito mesmo que não estejam positivados. Rejeitando as concepções formais do direito, defende que não há razão para se construir uma teoria da verdade, partindo da tese de que uma proposição só é verdadeira na medida em que se possa, ao menos, demonstrar sua verdade. Só nos resta concordar e concluir com o próprio Dworkin: “Essas bizarras conclusões devem ser falsas. O direito é uma profissão florescente e, apesar dos defeitos que possa ter, inclusive aqueles fundamentais, não se trata de uma piada grotesca”.


REFERÊNCIA

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012


UMA ABORDAGEM SOBRE A TEORIA JURÍDICA NO PENSAMENTO DE RONALD DWORKIN[1]

Brenda Rocha Caramês[2]



INTRODUÇÃO


         A presente pesquisa tem como objetivo fazer um breve levantamento sobre o pensamento hermenêutico e o conflito que decorre quando os juristas tentam definir leis por meio de conceitos não claros, proporcionando controvérsias para o entendimento da lei segundo a abordagem feita por Ronald Dworkin em sua obra Levando os Direitos a sério.

       A proposta é de um diálogo entre os questionamentos levantados pelo autor a fim de atingir o objetivo maior, que é entender a problemática em torno das definições e conceituações do direito. Sabemos que não existe um único conceito ou uma única corrente teórica e, desse modo, propomos uma análise capaz de compreender o motivo pelo qual isto ocorre, bem como suas implicações.

        Inicialmente apresentamos a problemática que recai sobre os juristas, questionando a metodologia utilizada pelos legisladores e confrontando principalmente com as ideais de Hart, para o melhor entendimento aproximado dos questionamentos levantados no primeiro capítulo, intitulado: “Teoria do Direito”.

        Vamos analisar, através de um breve panorama histórico, as correntes teóricas que se propuseram a estudar a controvérsia existente entre o método e prática nos casos considerados difíceis, questionando como essas questões são tratadas no mais diversos Ordenamentos Jurídicos, e então, confrontá-las com o pensamento de Dworkin. Por fim, será analisada a diferenciação entre princípios e regras, para assim, apresentarmos alguns questionamentos feitos pelo autor.
 

1 A PROBLEMÁTICA QUE RECAI SOBRE OS JURISTAS


              No seu primeiro capítulo: “Teoria do Direito”, Dworkin inicia a obra “Levando os Direitos a sério” afirmando que os juristas comumente se deparam com problemas técnicos a respeito dos quais não há consenso. Segundo ele, ao tentar descrever a lei por meio de conceitos que não são claros, os juristas acabam se perdendo em divergências conceituais.[3]

           Primeiramente, para a introdução do pensamento de Dworkin, é necessário que suas ideias sejam confrontadas com as de Hart. No livro, podemos inferir que Dworkin questiona o positivismo jurídico de Hart, e uma das principais críticas é a metodologia sugerida por Hart, apesar de alguns momentos a linha de pensamento de Dworkin apresentar intersecções, mesmo que pequenas, com a teoria de Hart. Ao decorrer da leitura de sua obra encontramos em alguns momentos, de maneira subjetiva, ou explicita, a proposta de um método mais apropriado para lidar com os problemas jurídicos[4].

           Teria o juiz o dever legal de decidir em casos difíceis, de uma única maneira, onde encontramos lacunas da lei? “Os juristas chamam essas questões recalcitrantes de “relações à teoria do direito” e discordam, como se poderia esperar, quanto à importância de resolvê-las” (DWORKIN, 2002, p 03).

          Um Juiz não faz o direito, porém ele vincula seu entendimento para o conhecimento do ordenamento jurídico, interpreta o que já faz parte do conhecimento jurídico. Ele exerce seu poder discricionário e decide de acordo com seu critério de razoabilidade, para isso, é necessário um raciocínio interpretativo para definir o que seja o direito, isto implica em avaliações morais e políticas para que os argumentos jurídicos sejam adequados.[5]

Evidentemente, há muitos tipos diferentes de normas – não somente no sentido óbvio de que, além das normas jurídicas, existem as regras de etiqueta e as normas da língua, as regras de etiqueta e as normas da língua, as regras de jogos e as normas de clubes, mas no sentido menos evidente de que, mesmo no interior de qualquer dessas esferas, o que chamamos de “norma” pode ter origens diversas e relações muito diferentes com a conduta à qual a palavra se refere (HART, 2009, p.11).


        No entanto, há controvérsias entre as perplexidades conceituais e a utilização da técnica. Na prática, as relações entre as diversas partes de uma teoria do direito proporciona uma amplitude de interpretações, entretanto, elas devem ser simultaneamente conceituais e normativas. [6]         

 

2 COMO ESSAS QUESTÕES SÃO TRATADAS NOS MAIS DIVERSOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS


Em minha argumentação, afirmarei que, mesmo quando nenhuma regra regula o caso, uma das partes pode, ainda assim, ter o direito de ganhar a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo em casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de inventar novos direitos retroativamente. Já devo adiantar, porém, que essa teoria pressupõe a existência de nenhum procedimento mecânico para demonstrar quais são os direitos das partes nos casos difíceis. (DWORKIN, 2009, p 127).

 

           Dworkin sustentou que os indivíduos poderiam ter outros direitos jurídicos além daqueles criados por decisões políticas ou práticas sociais expressas. Será que a norma é definitiva e coerente? Em certos casos ela se torna imperfeita e não sendo aplicada exatamente da forma a qual foi concebida, sofrendo adequações por parte de seus intérpretes. Em muitos casos essas mudanças poderão ser consideras como a formação de privilégios e a corrupção do sistema, por exemplo: em casos complexos é reconhecida a possibilidade de exercer uma apreciação subjetiva sobre certos aspectos sobre os quais não há consenso geral quanto ao modo de proceder. Isto porque a norma, nesses casos, confere uma margem de atuação discricionária, porém não deverá o Juiz fazer somente o que está previsto na lei?[7]

           São pertinentes, na teoria do direito, discussões relativas quanto à aplicação da hermenêutica jurídica. Inúmeras correntes há anos tentam esclarecer e encontrar uma metodologia adequada para o conflito existente na prática dos legisladores no ordenamento jurídico, um grande problema para solução das controvérsias conceituais. Elas ultrapassam as técnicas jurídicas utilizadas costumeiramente na prática, pelo simples fato de não haver um acordo a respeito do tipo de conflito.

         Mediante o surgimento de novos questionamentos jurídicos, houve a necessidade de se repensar o ordenamento jurídico. A teoria analítica do Direito se propõe a formular de forma conceitualmente cuidadosa os termos empregados na doutrina jurídica em toda sua significação. Já a corrente do Realismo Legal, argumentava que a análise doutrinária das decisões judiciais, feitas pela teoria ortodoxa do direito, era falha, as decisões são tomadas segundo as preferências morais e políticas dos juízes. No entanto, para “a teoria sociológica do direito” dedicou-se a analisar em que grau as decisões eram motivadas pelas crenças pessoais e origens dos juízes. Os instrumentalistas se focaram em analisar os impactos das decisões, e de que modo os juízes poderiam considerar esse impacto para justificarem-se. A teoria economicista do direito defendia que a lei seria economicamente mais eficiente se os juízes fossem autorizados a levar em conta o impacto econômico de suas decisões.

         Sem dúvida, esses modelos de argumentação proporcionam mais problemas. Em ambos os casos, as correntes se abstiveram de buscar soluções no campo moral, pois as regras não são suficientes para solucionar todos os possíveis impasses cotidianos que a sociedade venha a apresentar, por isso, os princípios precisam ser estudados como pontos norteadores indispensáveis.

 

2.1 PRINCÍPIO E REGRA


                Dworkin critica severamente o positivismo jurídico, dirigindo seu ataque principalmente à versão construída por Hart, particularmente nos hard cases,  no qual o intérprete deve operar com princípios, políticas e outros tipos de padrões, tendo em vista que tais casos não conseguem ser solucionados como regras.

             Consideração a ser feita é que: princípio é diferente de regra; e possuem funções distintas no ordenamento jurídico. Os princípios emanam sua força para muitas regras, eles são conceitos gerais que não podem ser feridos pelas regras, pois as regras são específicas e os princípios são mais amplos.

3 CONCLUSÃO

 

             A grande contribuição de Dworkin está em propor uma teoria do Direito com base normativa, e que tenha como fundamento os direitos individuais. Outro aspecto, está na proposta de aproximação e relação do pensamento moral com o jurídico.

           A problemática metodológica jurídica possui várias dimensões, na qual não existe um consenso geral quanto ao modo de como prosseguir, e consequentemente ela recai sobre os estudiosos e praticantes do direito, tanto em sua reflexão quanto em sua prática. Há a necessidade de aplicação de um raciocínio interpretativo para definir o que seja o direito; o que implica em avaliações morais e políticas.

            Devemos levar em conta as controvérsias existentes na utilização da técnica, pois decisões, às vezes, não se desvinculam de concepções, já que os aspectos jurídicos são abrangentes. Portanto, um caso considerado difícil deverá ser decidido simultaneamente por meio de sua aplicação e interpretação. Tal abordagem proposta é ampla, pois engloba um modo de desenvolver o Direito, ou a interpretação do Direito, de forma a manter ao menos uma relação de coerência com o ordenamento jurídico.

             O ataque ao positivismo jurídico e a crítica ao utilitarismo constituem o grande objetivo de seu trabalho, tentando construir uma alternativa de ciência jurídica fundada em outros pressupostos que não sejam os tradicionais. Para Dworkin, não é possível separar aspectos descritivos e normativos de uma teoria da lei. Isto significa que não se pode analisar o direito sem avaliá-lo moralmente. Sendo assim, o teórico do direito não consegue descrever a prática jurídica sem justificá-las.

         

REFERÊNCIAS

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991.

DWORKIN, Ronald. Teoria do Direito. In. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 01-22.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

GOMES, Luiz Flávio. Normas, regras e princípios: conceitos e distinções. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005.

Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7527>. Acesso em: 20 set. 2012.

HART, H. L. A. Questões persistentes. In. O conceito de direito. Trad. Antonio Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 01-22.

IKAWA, Daniela R. Hart, Dworkin e Discricionariedade. LUA NOVA Nº 61, 2004 Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ln/n61/a06n61.pdf>. Acesso em: 06 de junho de 2012.

NUNES, Fabricio do Prado. Teoria Geral do Direito e Hermenêutica Jurídica na visão de H. L. A. Hart e Ronald Dworkin. Revista da Graduação, Seção: Faculdade de Direito – Campus Uruguaiana Vol. 4, Nº 1, ano 2011. Disponível em: < http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/graduacao/article/viewFile/8837/6190>Acesso em: 06 de junho de 2012.

PONTES, André Luiz Marcondes. Concepções de direito e justiça: a teoria do direito de Ronald Dworkin e o liberalismo político de John Rawls. São Paulo, 2011 Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-26032012-093813/pt-br.php>. Acesso em: 25 de maio de 2012

RIBEIRO, Âmara Barbosa. Teoria do Direito e princípios segundo Ronald Dworkin. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3293, 7 jul. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22168>. Acesso em: 28 set. 2012.

 



[1] Papper referente à obra DWORKIN, Ronald. Teoria do Direito. In. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 01-22. Correspondente à 2ª avaliação da disciplina Introdução à Ciência do Direito, ministrada pelo prof. Dr. Luiz Otávio Pereira.
[2] Acadêmica do curso de bacharelado em Direito da Universidade Federal do Pará. Matrícula 11015014201
[3] Segundo Dworkin isso ocorre quando os juristas tentam definir leis por meio de conceitos não claros, proporcionando controvérsias para o entendimento da lei (2002, p.02).
[4] Contesta o posicionamento de Hart de que a linguagem jurídica nos casos difíceis daria margem a existência de mais de uma interpretação razoável, e que, nessas circunstâncias, o juiz não está aplicando o direito, mas criando, para o caso concreto, utilizando-se então de discricionariedade.
[5] A discricionariedade é aborda em Hart e Doworkin, porém há certa divergência entre eles quanto à existência ou não da discricionariedade em sentido forte, implicando a ausência de vinculação legal a padrões previamente determinados.
[6]  A questão de como o Juiz utiliza a discricionariedade ou a existência ou não de um dever legal do Juiz de decidir determinada maneira remete à questão da completude ou incompletude da lei. Indica os pontos de partida de Dworkin e Hart. ( IKAWA, 2004, p 112).
[7] Dworkin afirma que, mesmos quando nenhuma regra regula o caso, uma das partes pode, ainda assim ter o direito de ganhar a causa.






quarta-feira, 4 de julho de 2012

"Direito no Cinema: literatura, arte e cultura" - Sensibilização do Direito em Tucuruí


O Projeto de Extensão "Direito no Cinema: literatura, arte e cultura" esteve em Tucuruí, nos dias 15 e 16 de junho, para realizar o encontro intitulado "O discurso do direito na literatura e no cinema". 


Muito comentado na cidade, o encontro foi realizado com a participação de cerca de 50 pessoas, que tiveram a oportunidade de perceber a aproximação entre Direito e Arte através da discussão de temas e da exibição do filme " O Advogado do Diabo". 
As temáticas abordadas foram:



Luiz Otavio Pereira: O estudo do direito e da justiça na literatura.
Domingos Feitosa: Direito e Arte
Victor Russo: O poder da metáfora: a visão jusliterária de Luis Alberto Warat.

Nathália Peixoto: A função social do não-social na arte: uma crítica à pós-modernidade.
Evandro Alencar: O personagem do juiz no imaginário jurídico-literário.



"Ninguém aprende se não se renova a linguagem. É preciso romper a linguagem para tocar a vida." (Luis Alberto Warat)








terça-feira, 19 de junho de 2012

A CIÊNCIA DO DIREITO: Panorama histórico[1]

GESSANDRO VITORINO DE SOUZA[2]
gessandrovitorino@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

            O presente trabalho busca conhecer e identificar as variadas percepções que as sociedades possuíram do conhecimento do Direito ao longo do tempo e das Histórias destas muitas sociedades. Tércio Sampaio Feraz Júnior observou o desenvolvimento do saber jurídico preocupado em visualizar as várias roupagens que o pensamento do Direito (ou teorização jurídica) utilizou enquanto Ciência e/ou saber. Começando pela sociedade romana antiga, passando pela sociedade medieval, avançando pela modernidade e atingindo a contemporaneidade, compreende Tércio que, o referido desenvolvimento não foi linear, havendo avanços e recuos nos diferentes tempos, espaços e culturas.

1 A JURISPRUDÊNCIA ROMANA

            Assim como as demais sociedades pré-modernas (Índia, China, Grécia, entre outras), Roma evoluiu das primitivas comunidades aproximadas pelo critério do parentesco, no qual o pátrio-poder era o elemento característico do que se entendia por Direito. As relações privadas foram determinadas por esse entendimento até que as transformações materiais e de mentalidade ocorridas na sociedade promovessem uma reestruturação do entendimento de Direito.
            O aparecimento da Urbs[3] e da Civitas[4] levou os romanos a pensarem o exercício do Direito sob a perspectiva do ponto de vista do Centro Político (FERRAZ JÚNIOR, 2003). Neste caso, buscava o Direito ser um elemento de equilíbrio no convívio dos sujeitos que passavam a ser cidadãos.[5] Mas “por que jurisprudência e não júris scientia?” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 18). Efetivamente os romanos não se dedicaram a responder esta pergunta, antes, preocuparam-se com a práxis jurídica. Apesar dessa forma de aplicação do Direito podemos pensar em Ciência no sentido de saber prático (FERRAZ JÚNIOR, 1980). “De modo geral, todos concordam que um dos mais importantes legados deixados pelos romanos às culturas que os sucederam foi seu sistema de direito” (BURNS, 1998, p. 163).
              “A práxis era tipicamente romana” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 20), e com ela construíram uma técnica dicotômica de construir conceitos: “jus publicum” e “jus privatum”, “res corporales” e “res incorporales”, porém estes conceitos não foram obra exclusiva da práxis e tiveram influência do modelo de conhecimento e saber dos gregos como a filosofia, a gramática e a retórica.
              Inicialmente o Direito (jus) era um fenômeno de ordem sagrada, ligado a sua fundação, portanto, base da cultura e da tradição (FERRAZ JÚNIOR, 1980). O que delineou o desenvolvimento e a expansão da urbs. Esse Direito era uma atividade ética. Entendendo-se por isso a Prudência (virtude moral de equilíbrio, julgamento ponderado), sendo que a Jurisprudentia era, ainda, apenas um quadro regulativo geral.
              Assim, é possível querer classificar o pensamento jurídico romano nos moldes de uma teoria da ciência, e, assim sendo, é melhor enquadrá-lo na tradição aristotélica, que busca compreender a coisa como ela é em sua causa, relação e necessidade, sendo este conhecimento um saber universal da essência (FERRAZ JÚNIOR, 1980). O silogismo (3 proposições) e a prudência (justeza construída pela dialética) são instrumentos deste conhecimento. “Aqui se enquadra a jurisprudência romana, cuja racionalidade dialética a torna tipicamente um saber prudencial” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 20).
              Assim, o Problema é visto, não mais pelo fato em si, mas na busca de argumentos de outros casos com nexos entre si, criando uma regra geral que se aplique àquele problema inicial e a todos os demais casos futuros. Os fatos passam a ser interesse jurídico e assim ocorre a aplicação do Direito. Esse entendimento e atitude do Direito pelos romanos que, nos séculos seguintes, motivaram reformas que tentaram dar-lhe um caráter de “ciência” de acordo com um modelo racional matemático teve a participação da autoridade como elemento mediador. Entendendo esta autoridade como a mantenedora da cultura (religião – rligares), sendo esta manutenção não no sentido estático, mas ampliadora da Fundação da urbs.
              “De certo modo, graças à tríade religião/autoridade/tradição, a jurisprudência deu ao Direito uma generalização que a filosofia prática dos gregos não conseguira” (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 60).
2 OS GLOSADORES

              Para entendermos melhor este momento do pensamento jurídico europeu e necessário contextualizá-lo historicamente.
              Na transição da cultura romana para a cultura medieval há um importante elemento a ser assinalado: o advento do Cristianismo. Devendo ser necessário distinguir cristianismo enquanto religião (relação pessoal do homem com Deus) e cristianismo enquanto instituição (relação denominacional fundada da articulação do Bispo de Roma e da autoridade política imperial decadente). A autoridade denominacional corrompida que surgiu, logo tratou de formalizar os ordenamentos religiosos privados como ordenamentos públicos de caráter político e de aplicação jurídica. A ampliação do poder do Bispo de Roma para o caráter de autoridade política foi definidor de uma nova relação de Direito que perpassava por uma dogmatização de preceitos religiosos tornando-os universais e com validade e aplicação em todo o Império Romano. Com a criação das Universidades Medievais foi possível a um conjunto de pensadores resenhar, criticamente, os Digestos Justinianeus, os quais foram transformados em textos escolares de ensino das universidades. Bolonha foi um dos principais centros deste fenômeno. Considerados indiscutíveis, esses textos antigos foram submetidos a uma técnica de análise explicativa baseada no Trivium[6], caracterizando-se pela glosa[7] gramatical e filológica, daí a expressão “glosadores” atribuída aos juristas de então.
              O trabalho do glosador era exegético, pois os textos nem sempre concordavam entre si, surgindo as (contrarietates), as quais levantavam (dubitates) conduzindo o jurista a uma (controversia, dissentio) ao cabo da qual se chega a uma (solutio), a qual era obtida quando se chegava a uma concordância. Havia, ainda, uma hierarquia entre os textos de acordo com a dignidade de sua autoridade e a distinção entre eles. Os livros com autoridade eram o Corpus Juris Civilis de Justiniano, o Decretam de Graciano, as fontes eclesiásticas canônicas e a coleção de decretos papais. O pensamento prudencial romano não desapareceu, mas teve seu caráter mudado de casos problemáticos para casos paradigmáticos, que deveriam traduzir uma harmonia. Nesse sentido a prudência se fez dogmática.
              Por volta do século X foram retomadas as tentativas do Sacro Império Romano Germânico de concluir sua ampliação dobre o Regnum Italicum. Entretanto, o norte da Itália seguia uma ordem de organização social e política diferente daquela comum ao restante da Europa.     A vitória dos Lombardos e Toscanos não se resumiu ao campo militar, pois, mais além, produziram armas ideológicas de legitimação de sua liberdade, quer seja a libertas (soberania), quer seja a liberta (autogoverno) que resulta da primeira (SKINNER, 1996).
              O problema maior estava na legalização desta liberdade, pois todos os decretos e leis apontavam para o Imperador do Sacro Império o título de Dominus Mundi, portanto era o governante supremo, em todos os tempos, sobre todos os seus súditos, de todas as partes. Para os glosadores, até então, era impossível não ver no Imperador do Sacro Império o Princips do Código de Justiniano.


No século XIV, porém, ante ameaças que se renovavam por parte dos imperiais, finalmente se produziu a alteração da perspectiva que se fazia necessária. A grande figura nessa reorientação, o fundador da Escola que se chamaria de Pós-glosadores foi Bartolo de Saxoferrato[8], talvez o mais original dos juristas da Idade Média (SKINNER, 1996, p. 30).


              A proposta de Bartolo foi tão revolucionária quanto simples. Enquanto os glosadores diziam que, quando a lei se mostra descompassada com os fatos legais, são estes que devem se acomodar àquela para se conseguir uma interpretação literal da mesma. Enquanto isso, Bartolo adota como preceito único que, quando a lei e os fatos colidem, é a lei que deve se conformar aos fatos (SKINNER, 1996).

3. OS JUSNATURALISTAS DA ERA MODERNA

              “A partir do Renascimento, o Direito irá perder progressivamente seu caráter sagrado. E a dessacralização do Direito significará a correspondente tecnicização do saber jurídico e a equivalente perda de seu caráter ético, que a Era Medieval cultuara e conservara” (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 65). A ruptura da Era Moderna em relação à Era Medieval se dá no campo do método, no qual esta indagava sobre as morais do bem na vida, enquanto que aquela indagava sobre as condições efetivas e racionais de sobrevivência. A crítica dos modernos jusnaturalistas aos glosadores era de que estes não possuíam uma sistematicidade na formulação de suas teorias. Conceituar “sistema” (mecanismo, organismo e ordenação) foi a maior contribuição do Jusnaturalismo, que passa a ver o homem como um elemento de um mundo concebido segundo leis naturais.
              Ferraz Júnior (1980) reconhece em Pufendorf o típico exemplo da sistemática jurídica moderna jusnaturalista que sintetizou o conhecimento jurídico de sua época, mormente na Alemanha, até o século XIX. Parte da ideia de que o Direito Natural possui um princípio que se identifica imperativo na qual a Norma obriga ou proibi o indivíduo a uma determinada ação e outro princípio indicativo. A sistemática desenvolvida na base destes princípios se caracteriza pela associação da dedução racional com a observação empírica e, com isso, divide as normas do direito natural em Absolutas e Hipotéticas. A teoria jurídica passa a ser um produto da razão e instrumento de crítica da realidade.

4 A ESCOLA HISTÓRICA

              Na transição do século XVIII para o século XIX, destacou-se Gustav Hugo (1764-1844) que desenvolveu uma nova sistemática para a Ciência do Direito, acentuando a relação do Direito e sua dimensão histórica. Ainda, compreende uma divisão em três partes do conhecimento científico do Direito: dogmática jurídica (o significado de legalidade), filosofia do direito (é racional que esta legalidade seja efetivamente legal?) e história do direito (como esta legalidade se tornou legal?). Tentando, assim, perceber direito positivo como fenômeno histórico.
              O grande mérito da Escola Histórica foi haver assumido o caráter científico da Ciência do Direito (Jus Scientia). A sistematização do Direito era verificada na historicidade do próprio Direito, e forjava a dogmática jurídica, entendida como teoria do direito vigente. Ou seja, o estudo ciêntifico (histórico) do Direito Romano visava o estabelecimento daquilo que ainda era utilizável no presente. Abrindo assim as alas para uma concepção mais positiva do direito.

5 O POSITIVISMO

              Por positivismo entenda-se tanto a doutrina de Augusto Comte, quanto aquelas doutrinas que se ligam a esta. Ele trata, basicamente, da limitação da ação humana nos fenômenos. Podendo aquela apenas interferir na intensidade deste, mas jamais na sua natureza. Negando também a metafísica, dava-se preferência às ciências experimentais e a confiança exclusiva no conhecimento dos fatos.
              A corrente positivista jurídica foi muito mais do que uma tendência científica, foi também uma busca pela segurança da sociedade burguesa. Partindo do pensamento dos Iluministas e passando pela Escola Exegética. Esse sistema se confirmou de tal modo àquela época que se entendia que não havia direito que não o Direito Positivo.
              Ele apresenta como característica a percepção de um sistema jurídico perfeito, acabado e fechado; as lacunas são apenas aparências e a generalização da norma posta é suficiente para atender a todas as demandas. Além desta característica, podemos notar que o positivismo continuou com a tradição jusnaturalista de método sistemático da Ciência Jurídica. Ainda, pela abstração e generalização e pela regressão de proposições hipotéticas muitos elevaram a Ciência Jurídica à condição de Ciência da Natureza.

6 O SÉCULO XX

              No início do século XX as inquietações metodológicas do século anterior continuam em evidência e com Kelsen, a questão pandectista é aperfeiçoada, forjando a Normativa.
              Objetiva Kelsen ao sistematizar a Ciência Jurídica, isentá-la de influências de conceitos que fugissem daquilo que era exclusivamente do Direito, daí chegar a conclusão da Norma.
              Vontade, imputação, pena e delito são conceitos-chaves no pensamento de Kelsen.


Nesse quadro, a ciência dogmática do direito, na tradição que nos vem do século XIX, prevalecentemente liberal, em sua ideologia, e encarando, por consequência, o direito como regras dadas (pelo Estado, protetor e repressor), tende a assumir o papel de conservadora daquelas regras, que, então, são por ela sistematizadas e interpretadas (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 82).


7 CONCLUSÃO

            Um reconhecimento da variada forma de se pensar e de se teorizar o Direito ao longo do tempo, em diferentes sociedades e culturas, nos permitiu perceber que a Ciência do Direito foi muitas vezes concebida como um instrumento da manutenção do status quo, sendo, outras vezes, usada como instrumento de legitimação e legalização da mudança de regras ou de poder. Contudo, sempre coube ao jurista uma ação importantíssima, comum a qualquer época, a ‘decisão’. Conseguir dar uma resposta, solucionar uma querela.
            Para essa decisão se tornar eficiente e legítima coube sempre ao jurista o uso de técnicas que, quaisquer que fossem elas, deveriam ser consagradas ou, ao menos aceitas, pelas teorias que norteavam a sua realidade social e histórica. Ainda hoje a Decisão é uma tarefa que requer um constante processo de aprendizagem, de reconhecimento da natureza dos conflitos, de identificar sua própria condição de poder de controle e da aplicação da mesma. Decisão é um dos objetivos, senão o objetivo final da Ciência do Direito.
8. REFERÊNCIAS

BURNS, Edward McNall, LERNER, Robert E., MEACHAM, Standish. História da Civilização Ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. 38. ed. São Paulo: Globo, 1997.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Panorama histórico. In. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1980, p. 18-39.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4. 4d. São Paulo: Atlas, 2003.
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Cia das Letras. 1996.



[1] Ensaio referente à matéria Introdução à Ciência do Direito ministrada pelo Professor Dr. Luiz Otavio Pereira.
[2] Discente regularmente matriculado no curso de Bacharelado em Direito na Universidade Federal do Pará/Instituto de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito com o número de matrícula: 12641009801.
[3] Cidade-Estado.
[4] Cidadania romana.
[5] Cidadão é o homem livre ou civis. A liberdade é um status característico do cidadão. (nota minha)
[6] Currículo acadêmico das artes liberais organizado nas seguintes disciplinas: Gramática, Retórica e Dialética.
[7] Glosa: nota explicativa sobre as palavras ou o sentido de um texto. Comentário. (nota minha)

[8] Foi um jurisconsulto medieval, um dos mais notáveis comentadores do Direito Romano. É considerado o maior jurista da Idade Média.