segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A RESCISÃO DO CONCEITO ÉTICO-POLÍTICO EM AGNES HELLER


A RESCISÃO DO CONCEITO ÉTICO-POLÍTICO EM AGNES HELLER[1]

Ayrton Machado[2]
ayrtonborgesmachado@yahoo.com.br
Brenda Caramês[3]
brendacarames@hotmail.com
Márvyn Kevin[4]
marvynkevin@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

Agnes Heller é uma das principais pesquisadoras da filosofia contemporânea. Ao elaborar estudos com temas centrais, a teoria das necessidades, com a moral, a história, o destino das esquerdas, a modernidade e a pós-modernidade, os valores e a práxis. Heller é mulher, atenta às crises de nossa época, que não tem medo de contestar.

No livro Além da Justiça, o assunto a ser investigado, como ela menciona no prefácio do livro, o próprio título abrange o tema a ser questionado como a ótica na qual ele será discutido no decorrer dos capítulos, que é a Justiça. A autora faz uma análise crítica sobre o conceito ético e político da justiça, tanto o tema como a ótica na qual ele é discutido. Apesar de os capítulos terem sido condensados, e um omitido, por causa da editora, eles ainda continuam com eixo central inalterados, de acordo com a autora. A Obra está dividida em dois capítulos analíticos, dois capítulos históricos e dois capítulos referentes à teoria normativa de justiça.

A pesquisa será desenvolvida de acordo com o segundo capítulo, O Conceito Ético Político de Justiça, mas o ponto principal de nossa análise será o tópico A Dissolução do Conceito Ético-Político de Justiça. Entretanto, para o melhor entendimento, primeiramente será feito uma pequena análise introdutória sobre o primeiro capítulo da obra, O Conceito formal de Justiça, seguido de uma análise da transição do antigo ao moderno acerca da justiça, pra que daí se possa adentrar mais profundamente à nova condição da justiça na modernidade, tratando seus paradoxos, a nova situação política e como o conceito ético-político de justiça se comporta imerso nesse novo cenário.


1      O CONCEITO FORMAL DE JUSTIÇA

            O senso de justiça não é geral, mas isso não significa sua ausência. De fato, são inúmeras tendências teóricas que propõem uma ótica para a melhor compreensão do termo justiça e seus aspectos. Desde a Antiguidade a justiça representou um ideal de uma prática perfeita do Direito, que acabou por se transformar em um problema, uma vez que se tornou um vazio conceitual na Modernidade. [5]

De acordo com Heller (1998), o conceito formal de justiça implica em um nível muito além de abstração do que o conceito de “justiça formal”. Nem todos os conceitos de justiça necessariamente implicam em um conceito de justiça, isto é, a questão de justiça não pode ser direcionada somente por uma regra determinada.

A autora refuta a ideia de uma justiça ligada exclusivamente a um único padrão aplicável a toda situação. Portanto, atribui uma nova redefinição para o conceito formal de justiça, sendo ele, uma aplicação consistente e continua das mesmas normas e regras a cada um dos membros de um agrupamento social aos quais elas se aplicam.

A noção do que é justo ou injusto é variável tanto como o caráter humano, a principal dúvida são quanto à existência ou não de um conceito contemporâneo de justiça, que acompanhe as mudanças éticas, sociais, econômicas, políticas, na qual existe a consolidação de sociedade justa e harmônica. Uma utopia para nossa realidade.[6]


2      A CRISE CONCEITUAL NA TRANSIÇÃO DO ANTIGO AO MODERNO

A temática da justiça é um dentre os primeiros assuntos a ser discutido pela antiguidade, portanto, pode ser considerado como uma questão central que acompanha desde o nascimento da filosofia, até os tempos atuais. De início, deixa-se claro nesta pesquisa que o conceito ético-político sofre uma grande crise com a transição do tempo, isto é, da Antiguidade à modernidade: “O novo conceito ético-político de justiça termina, em vez de iniciar suas vicissitudes históricas, com a aposta moderna retratada no Fausto, de Goethe” (HELLER, 1998, p.111-112).

No ritmo da transição histórica, novos contextos, novos conceitos, novas correntes teóricas, entre outras, ocasionaram mudanças de paradigmas[7], de “pontos de partida” e premissas, a qual, no interesse que se tem de explicar uma dada realidade, é impensável fechar os olhos para os novos conceitos e aspirações que se vão ensejando. Portanto, as mudanças no político, no ético e no conceito de justiça são substanciais.

Quanto aos paradigmas: a felicidade está para a antiguidade, assim como a liberdade para a modernidade[8]. A felicidade, na teleológica filosofia clássica, é o fim a ser realizado; conciliando ao mesmo tempo simplicidade e segurança, o espírito desse conceito de Justiça é de certeza, de um sentimento probo, ético. Se a filosofia antiga combateu veementemente a relativização sofística da justiça, foi porque certamente acreditava-se na justiça como um bem natural, uma moralidade até certo ponto “absoluta” e guia da justiça, um verdadeiro conceito ético-político de justiça.[9] Uma vez que virtude está, para os antigos, próximo da justiça e da felicidade, que para Aristóteles tem sentido ativo de ação, a justiça parece, assim como a felicidade, ser um bem em si mesmo:

(...) chamamos de absolutamente completa uma coisa sempre eleita como uma finalidade e nunca como um meio. Ora, a felicidade, acima de tudo o mais, parece ser absolutamente completa nesse sentido, uma vez que sempre optamos por ela por ela mesma e jamais como meio para algo mais (...). Mas ninguém opta pela felicidade pela honra, pelo prazer, etc., nem tampouco como um meio para qualquer outra coisa que seja, salvo ela mesma (ARISTÓTELES. 2007, p. 48)

Enquanto no Antigo o conceito de justiça visa à felicidade, na modernidade, diz Agnes Heller (1998), o paradigma é o paradoxo da liberdade, temática que será explicada mais claramente no próximo tópico. A autora denuncia a modernidade como um dissolvente do conceito ético-político de justiça, há muito construído (desde a filosofia antiga). A justiça passa a ser compreendida como esvaziada de seu conteúdo ético, o império da razão assume a função de “juiz” e dita nosso entendimento sobre o bem e o mal. Nem todos os conceitos ético-políticos de justiça protegem uma ordem sociopolítica, onde todas as normas são morais é considerado como uma exceção e não a regra[10].

       A modernidade relativiza também a moral, sendo este outro fator para a crise na transição histórica explicada, não se consegue constituir uma moralidade convincente e, acima de tudo, absoluta, que norteie as práticas político-sociais, enquanto que “nos velhos tempos todos sabiam o que era bom e certo” (HELLER, 1998, p.113).

Na modernidade, toda discussão moral é válida e, ao mesmo tempo, relativa, vazia, ignorada e ainda assim norteadora, dependendo do poder político vigente. A moralidade, por conseguinte a ética, na modernidade não possuem base ou parâmetros, vivendo um verdadeiro paradoxo, conflito e contradições internas nos pensamentos e paradigmas que a fundamentam e a constroem. Pois, usamos termos morais várias vezes sem nos damos conta do seu real significado e, cada vez mais, estamos nos distanciados dos antigos conceitos sobre fins morais, das virtudes perfeitas e do princípio que acreditava na natureza humana como passível de ser moldada até chegar ao ponto satisfatório de “bem”.

3      O PARADOXO DE LIBERDADE

             Para demonstramos e em seguida confrontarmos o Paradoxo que a modernidade expõe, são necessários entrecruzar os diversos conceitos e teorias tanto antigas quanto modernas, transportando-as a este último universo (modernidade) onde as discussões, conflitos e origem do paradoxo da liberdade realiza sua existência contraditória. Segundo a autora, o homem moderno insatisfeito necessita, tem sede de conhecimento, riqueza e poder, transgredindo as normas tradicionais, pois seu ideal de liberdade não está contido nos limites da norma: O moderno ideal de liberdade é inseparável do desejo.

“Tal conhecimento consensual de objetivo moral, confirma ele, está agora ausente e, cada discussão de ‘natureza humana’ e seu potencial moral é, portanto, sem significado” (HELLER, 1998, p.114). Hegel centraliza o entendimento do conceito ético-político de justiça em uma compreensão sociopolítica. Seu conceito é mais abrangente, podendo ser considerado como um aviso contra o formalismo.[11] Porém, de acordo com Agnes a positividade do pensamento pouco pode oferecer; mesmo uma pequena contribuição é problemática.

Outro ponto importante na construção do conceito é a relação entre Rousseau e Hobbes, pois há dois horizontes diferentes de único mesmo objeto[12].  De acordo com Rousseau, as Leis devem ser estabelecidas segundo as regulamentações às vontades gerais, de todos para todos, portanto, é possível ser livre e ainda assim estar sujeito às Leis, que significam as vontades desse ser livre[13]. Já em Hobbes, as Leis são incompatíveis com a liberdade, pois estas devem limitar certos direitos dos homens a fim de estabelecer a paz, e, portanto, limitam suas liberdades.

Hegel lembra que a defesa da liberdade não passava pela crença liberal da redução do Estado a simples ator responsável pela segurança pessoal, assim como pela garantia das propriedades e contratos. Ao contrário, era necessário um ator social capaz de limitar as tendências paradoxais das sociedades civis de livre mercado, quebrando o puro interesse dos particulares. Ressaltando, Rousseau não desafiou Hegel, ele readequou o modelo familiar de A nova Heloísa, isto é, de acordo com a obra, Rousseau evidência a ideia que só se alcança a liberdade por meio de um esforço supra-humano, de vencer o maior dos desafios: o próprio eu, e de abraçar o maior de todos os bens: a virtude.

As noções de liberdade e virtude devem ser interpretadas separadamente, por causa da vaidade humana. Já que a própria razão pode ser corrompida, significa que o progresso da razão humana não melhora o homem. Para isso é necessária haver uma diferenciação entre o “desejo geral” e o “desejo de cada um”. Não é uma questão de ensinar o que é justiça.

O homem, por sua natureza e espírito de liberdade vive em constante conflito. O conflito por sua vez é uma das provas de que um indivíduo é livre para escolher. Assim, percebemos que o conflito é e sempre será inevitável nas relações humanas, uma forma de justiça que se forma na moderna crença individual de liberdade acima de um “bem maior”. É esse o ritmo do Paradoxo moderno: a modernidade como tempos que se acredita no indivíduo essencialmente como continente da virtude e da liberdade e que vive em conflito com o conceito ético-político de justiça.

Homens dominam outros homens e é assim que nasce a diferença de valores; classes dominam classes e é assim que nasce a idéia de liberdade; homens se apoderam de coisas das quais eles têm necessidade para viver, eles lhes impõem uma duração que elas não têm, ou elas as assimilam pela força – e é o nascimento da lógica (FOUCALT, 2009, p.24-25).

Os paradigmas, neste contexto moderno, realmente acreditam no “homem livre”, muito embora seja muitas vezes essa liberdade, vazia. Tal paradoxo expõe a questão persistente entre a subjetiva e a objetiva justiça, entre a consciência individual e a legislativa, entre o real desejo intrasubjetivo e o intersubjetivo. Aparentemente há uma necessidade de “forçar” a ideia de que o homem moderno é livre, em nome de uma crença, o que é em si próprio um imenso paradoxo.

O conceito ético-político que nasceu na Antiguidade não abraçou uma liberdade volátil, como o faz a modernidade, e conseguia ser suficientemente objetivo. Na passagem de paradigmas, dissolveu-se o conceito ético-político que, para sê-lo verdadeiramente, necessita ser objetivado, inclusive para deixar de ser contraditório como modernamente. É válido observar que:

(...) devido à troca nos valores, o paradoxo da razão está se tornando o paradoxo da liberdade. Platão não se empenhou em apresentar um estado onde a liberdade de todos fosse garantida; nada se mostrou tão remoto na mentalidade grega. No entanto foi exatamente essa a opção de Rousseau, com a qual ele se comprometeu; e que os homens precisam ser forçados a ser livres, foi o paradoxo no qual resultou o projeto (HELLER, 1998, p. 127).

Rousseau também se posiciona sobre a liberdade e a virtuosidade no romance A nova Heloísa, último ponto a ser tratado a fim de cumprir o objetivo inicial. Heller é clara: “O romance trata da pluralidade de atitudes certas” (HELLER. 1998 p. 121), embora a palavra “pluralidade” exprima conjunto, pode isto assumir duas significações: a primeira é que as atitudes certas são reuniões sobre um único princípio; a segunda se refere à reunião de várias atitudes certas de naturezas e princípios diversos. Para explicar o entendimento de Rousseau, precisa-se tomar a segunda concepção.

Os personagens, de A nova Heloísa não se conduzem a “atos viciosos” porque permanecem em rede, mesmo não possuindo ou admirando (visando) uma moral comum: “Apenas alguns poucos valores são partilhados por todos os membros do círculo. Entretanto, esses valores partilhados se originam da pluralidade de valores e dela dependem” (HELLER. 1998, p. 121). Desse modo, o próprio Rousseau expressa a pluralização e de certa forma a relativização da moralidade, na qual à rede voluntária, de atos individuais, é acreditada a sobrevivência do sistema.

A nova Heloísa simboliza a contradição maior do paradoxo da liberdade: Na modernidade o Poder, que restringe e sobrepuja a liberdade, é valorizado, ao mesmo tempo em que a virtude e moralidade são individualizadas; é evidente a contradição, convivem em conflito os interesses de desejo de cada um e o desejo geral, a liberdade e a sua limitação.


4      ORDEM LEGAL MODERNA VERSUS A JUSTIÇA ÉTICO-POLÍTICA

A modernidade construiu uma base racionalista de política, mas que mediante a dissolução do conceito ético-político de justiça, erigiu um Estado com o pragmatismo do poder soberano: O Estado Moderno. Pensou-se mais na forma-estrutural do que no conteúdo ético, que deve “animar” e nortear a justiça na execução do poder. É em interferência a este fato que Agnes Heller elabora um olhar critico a sua abordagem sobre consciência legislativa, não com uma carga individual (o que se mostrou ineficiente), mas com teor ético na formulação legal da ordem[14]: uma vez que a má consciência tem recurso ao divino julgamento, e a consciência cética se restringe a um conceito ético de justiça, é apenas a consciência legislativa que estabelece novas formas de conceito ético político de justiça” (HELLER. 1998, p. 115).

O que ela propõe é uma forma concreta da ordem construir o “bem” por meio de uma consciência legislativa através da razão e tendo como objeto a “natureza humana”. Entretanto, a raiz da razão prática se mostra arraigada na modernidade de tal modo que interessa mais à própria ordem política “existir” do que “viver”; ética e moralmente, o poder acima da moralidade: “A moderna razão prática e a consciência [não se trata de uma consciência legislativa] tornam-se o árbitro final com relação ao bem e ao mal” (HELLER, 1998, p. 115). Portanto, o “ideal” pensado pela autora não concretizado materialmente na modernidade, expõe o sintoma da dissolução do conceito ético-político.

Hobbes como teórico do Estado Moderno é expressão desse pragmatismo político, no qual se acredita que a ética do homem como interesse e conveniência (o vantajoso) para a devida manutenção da ordem social. É nítido que podemos considerar Hobbes como sendo a grande expressão da razão prática, onde o aspecto mais importa a é ordem e as seguranças traduzidas no poder da metafórica figura do “Leviatã”. Heller faz fortes críticas a essa razão prática, pois ela considera um fator que obscurece o claro entendimento da ética-política: “uma vez que a razão é portadora de ‘leis da natureza’, a boa razão prática é, por assim dizer, natural para Hobbes” (HELLER, 1998, p. 119).

O desejo geral tornou-se um ‘imperativo categórico’ externalizado e alienado, a concretização da ‘consciência alienada’” (HELLER. 1998, p. 126).  Podemos citar como exemplo desse pragmatismo a Inglaterra moderna, citada pela autora, na qual a tendência sócio-política do conceito ético político de justiça subordinou as essências de benevolência e moralidade, sobressai-se a ordem legal política, e da justiça resta meramente a “distributiva” e “retributiva”. Desse modo, o modelo hodierno que vige na modernidade engessou a vontade pelo justo, ao mesmo tempo em que valoriza meios constrangedores, em detrimento da construção de um caráter e de um sentimento pelo justo.


5      A “CIDADE DA ALMA” RECONSIDERADA

As reconsiderações feitas no conceito ético-politico de justiça foram extremamente prejudiciais, ou seja, a partir do momento que a essência é dividida em dois rumos: a filosofia da moralidade e o conceito sociopolítico de justiça, o decorrer do processo de construção do entendimento é alterado. Suscita um aspecto negativo, visto que, não se pode dividir em partes distintas sem prejuízo a sua significação, já que não podemos dividir um conceito em dois sem que haja danos na construção do pensamento.

Na tentativa de garantir o direito, o conceito sociopolítico de justiça deixou de lado as preocupações morais com o melhor mundo possível e passou a ditar recomendações. Caminhando para perspectivas de distribuição e retribuição centralizadas principalmente no problema: há uma “distribuição justa”? As ideias de laissezfaire foram substituídas pela “vida boa”. Consequentemente a ideia de justiça remete ao imparcial, contudo, implica em uma característica moral de aprovação e desaprovação.[15]

Segundo Kant a moralidade dos atos humanos está em fazer o uso da liberdade. Quando não há liberdade para escolher e agir, não se pode atribuir valor moral à ação. Para que o ato possua valor moral o indivíduo não pode ser coagido, ou impulsionado a agir de determinada maneira, que não seja próprio dele. Portanto, agir racionalmente por dever e obedecer às leis são garantir a liberdade[16]. A liberdade é um pressuposto básico para que o homem seja responsável por seus atos e suas escolhas; o período moderno é chamado também de período antropocêntrico, onde o homem é capaz de fazer suas escolhas e praticar suas ações, e é neste período que lhe é oferecido a possibilidade de emancipar-se e ser autônomo.


5.1              A FALSA RECONCILIAÇÃO DA CIDADE-DA-ALMA

Cidade-da-alma é um dos três elementos fundamentais[17] para a fundamentação do conceito ético-político em Hegel, autor ao qual Heller faz uso para embasar seu discurso de justiça. Em seu capítulo “A ‘cidade-da-alma’ reconsiderada”, ela trata de como a modernidade esboçou um esforço em superar um conceito meramente idealista e individualista, reconciliando-o com o entendimento concreto da realidade, na tentativa de confluir para um mesmo ponto o ser e o dever-ser.

Hegel não nega ser moderno, pois trata “a realização da liberdade de todos como liberdade ótima (HELLER. 1998, p. 128-129), mas ainda assim consegue aspirar a um conceito de certeza (espírito objetivo). Ao assumir essa postura, busca ele ascender a um conceito ético-político de justiça real e completo, ao qual a certeza mostra-se fundamental. Real porque se situa no “mundo de hábitos”, e completo, pois, relacionam as “três cidades” ao espírito objetivo e à subjetividade. No qual concentra no homem as certezas da “sua obediência às leis de ‘boa cidade’ e a motivação moral da pura consciência como liberdade máxima” (HELLER. 1998, p. 129). Desse modo, o maior mérito de Hegel foi a “Reconciliação com a realidade”, projeto que embora tenha se mostrado uma “promessa de resposta” ao idealismo moderno, acabou por embarcar também nesse mesmo caminho. A dita reconciliação é, na verdade, uma “falsa reconciliação”.

A mencionada reconsideração significa rever alguns valores básicos que se encontram na modernidade. A proposta de Agnes Heller é a reconciliação do “Bem moral” com o “Bem natural. Desse modo, a moralidade não se torna submetida à “ordem legal”, tampouco será (em teoria) arbitrária, mas continua a ser universal (geral na modernidade), em teoria, sem correr o risco de ser relativizada. Porém como isso se realiza? É a falta de resposta a essa pergunta que impossibilita a reconciliação

Hutcheson[18]tentou fornece as bases para fundamentar a reconciliação da “cidade-da-alma” com a realidade, mas é ele também responsável pela forma mais visível da já mencionada “falsa reconciliação". Seus ideais recaem num erro de redundância de uma filosofia das intenções difícil de ser demonstrada, pois a percepção das intenções não se mostra suficientemente objetivada, principalmente por ser este um “requisito” fundamental do conceito ético-político. As reconsiderações feitas no conceito ético-politico de justiça foram extremamente prejudiciais

A cidade da alma reconsiderada é um abismo, a solução proposta por Hutcheson parece perfeita, mas é nada mais que especulação excessiva da “personalidade ética” pouco concreta. Definitivamente, o conceito ético-político de justiça se dissolve e se mostra insuficiente, para se crer na veridicidade de tal conceito, tomar como fundamento prioritário a metáfora de Fausto, que se reconcilia com a ética-política mediante a impossibilidade de experimentação de outros desejos.
 

5.2              POR QUE "ALÉM DA JUSTIÇA"? 

Meu conceito ético-politico de justiça segue os passos de uma tendência do iluminismo. Ele se reflete na especifica condição humana de modernidade, estando consciente das possibilidades e limites da condição humana em geral. Ele é normativamente baseado na generalização da “regra de ouro”, pela máxima universal de justiça dinâmica, e pelos valores universais de vida e liberdade.

(HELLER, 1998, p. 433)

Para a autora, o objetivo da justiça está além da justiça: A questão de justiça é muito abrangente não podendo ser considerada de acordo com único aspecto ou regra determinada. Mas não podemos ir além da condição humana. Heller propõe um ideal de boa vida para um melhor socialmente possível sem esquecer as diversidades dos indivíduos, por isso, seu principal questionamento é a existência ou não de um conceito de justiça, que acompanhe todas as transformações políticas, éticas e socais que possibilite uma sociedade boa e harmônica.

Ao decorrer da obra, ela vai relacionando inúmeras correntes teóricas para tentar uma conceituação mais abrangente. Embora, as relações de poder acabam por restringir em nosso eu, mas isso não significa que toda forma de poder seja maléfica. Ele enfraquece as relações quando ligado a uma natureza dominante, porém, nem toda forma de poder sócio-político é equivalente a uma forma de dominação.

Neste contexto, as complexas relações de poderes de dominação e humanitários demonstra a existência de cada conceito ético-político de justiça incompleto com todas as suas contradições. Segundo a autora, a bondade está bem além da justiça. Uma vez que a justiça sempre vem acompanhada de carga moral, a bondade de uma pessoa não envolve somente a virtude de justiça mais o exercício desta virtude. Essa é concepção básica para o entendimento do conceito ético-politico incompleto de justiça discutindo nesta obra. Isto é, segue os passos de uma tendência do iluminismo.

Heller demonstra para que haja o melhor mundo sociopolítico possível é necessário o respeito ao universo diversificado, isto é, aonde as normas e regras sejam ajustadas pelo procedimento justo, considerando as condições da vida boa de todos. Entretanto, a própria vida boa está além da justiça. Não simplesmente uma opção de atos ou escolhas únicas. Não obstante, devemos questionar a ideia de pessoa justa.[19]

Ressaltando, nem todos os conceitos de justiça implicam em um conceito político de justiça; A boa vida tem como eixos principais: a honestidade (bondade), o nosso melhor dom e as forças que emergem de nossas relações pessoais e sendo assim temos a vida boa como além da justiça. Para Agnes, esses três aspectos são fundamentais para que se tenha a oportunidade de vida igual para todos, liberdade igual para todos sendo o objetivo do melhor mundo sociopolítico possível e merece ser buscado, pois, é a condição existente para a possibilidade de vida boa a todos sem distinção. É fato que de acordo com o contexto destas três constituintes variam.
 

CONCLUSÃO

No livro “Além da Justiça”, Heller primeiramente propõe uma redefinição do conceito formal de justiça, dizendo que ele significa a aplicação consistente e contínua das mesmas normas e regras a cada um dos membros de um agrupamento social, ou seja, aos quais elas se aplicam, a autora utiliza os termos normas e regras em conjunto, uma vez que considera errado garantir que todos os regulamentos sociais assumam um caráter de regra, mesmo se isso for amplamente usado na sociologia ou na filosofia moderna, outro aspecto é que as regras podem ser seguidas apenas de uma forma única e definitiva, enquanto as normas são diferentes por sua natureza, porque existem normas concretas e abstratas.

Ao confrontar justiça formal (estática) e julgamento, diz que, do ponto de vista de justiça estática, o julgamento é feito por mérito ou competência e seus respectivos opostos. Exceto quando mantemos nosso julgamento para nós mesmos, todos os julgamentos são ações. São manifestações de discurso e com frequência incluem atos outros que não manifestações de discurso.

 A autora considera a modernidade como um dissolvente do conceito ético-político de justiça, há muito construído, ela passa a ser compreendida como esvaziada de seu conteúdo ético, é o império da razão assume a função de “juiz” e dita nosso entendimento sobre o bem e o mal, pois, nem todos os conceitos de justiça implicam em um conceito político de justiça. Não obstante temos, também, que as reconsiderações feitas no conceito ético-político de justiça foram extremamente prejudiciais, ou seja, a partir do momento que a sua essência é dividida em dois rumos, pois suscita um aspecto negativo, visto que, não se pode dividir em partes distintas sem prejuízo a sua significação.

A questão da justiça, do que é justo ou injusto, abrange não somente uma regra determinada é variável, tanto quanto o caráter humano. O objetivo da justiça está além da justiça, porém é nítido que não podemos ir além da condição humana, mas para que haja o melhor mundo sociopolítico possível é necessário o respeito ao universo diversificado, isto é, as normas e regras sejam ajustadas pelo procedimento justo, considerando as condições da vida boa de todos. Entretanto, a própria vida boa está além da justiça, e a bondade está muito além da justiça uma vez que a justiça sempre vem acompanhada de carga moral, a bondade de uma pessoa não envolve somente a virtude de justiça mais o exercício desta virtude.

 

REFERÊNCIAS

 

ARISTÓTELES. Livro I. In. Ética a Nicômaco. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007, p. 37-65.

_____________. Livro V. In. Ética a Nicômaco. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007, p. 145-176.

ALMEIDA, Guilherme Assis De; BITTAR, Eduardo C.B. Curso de Filosofia do direito. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010.

BITTAR, Eduardo. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 10 Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 25-95.

COSTA, Edgar Rogério. A virtude e a felicidade na Nova Heloísa de Rousseau. Unicamp. Disponível em: <http://edgarrogerio.net/arquivos/heloisa.pdf>. Acesso em: 10 de setembro de 2013

FECCIHIO, Mariceles Cristhina. O conceito de justiça Agnes Heller. Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico, 2011. Disponível em:<http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-conceito-de-justi%C3%A7a-agnes-heller> Acesso em 10 de setembro de 2013.


FOUCAULT, M. Microfísica do poder, Graal, RJ, 2009.

HELLER, Agnes. A dissolução do conceito ético-político de justiça na modernidade. In. Além da Justiça. Tradução Savannah Hartmann. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 111-144.

KANT, Immanuel. Primeiros princípios metafísicos da doutrina do direito. In. WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da política (vol.2). 10. Ed. São Paulo: Editora Ática. 2001, p. 72-83.

PAIM, A. O Dicionário de Obras Básicas da Cultura Ocidental. Vide editorial. Disponível em: http://www.videeditorial.com.br/dicionario-obras-basicas-da-cultura-ocidental/f-g-h-i/fenomenologia-do-espirito-de-hegel.html. Acesso em: 14 de setembro de 2013
                                                                    



[1]Trabalho apresentado como requisito avaliativo da disciplina a de Ética Jurídica, ministrada pelo Prof. Dr. Luiz Otavio Pereira, tendo como texto base a bibliografia: HELLER, Agnes. A dissolução do conceito ético-político de justiça na modernidade. In. Além da Justiça. Tradução Savannah Hartmann. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 111-144.
[2]Discente do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará. Matrícula 13641001801
[3]Discente do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará. Matrícula 11015014201
[4]Discente do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará. Matrícula 13641003801
[5]Bittar (2007) A justiça funciona, como um valor que norteia a construção histórica-dialética dos direitos, para expectativas sociais em torno do Direito. Apesar de a justiça possuir uma complexa definição.
[6]A questão da justiça, do que é justo ou injusto, abrange não somente uma regra determinada é variável tanto quanto o caráter humano.
[7]Com a mudança nos métodos de reflexão do objeto de estudo temos uma nova perspectiva de análise consequentemente haverá uma nova forma de conceituar surge neste conceito uma nova visão dos paradigmas. Uma virada no dogmatismo é proposta pela Autora.
[8]Ao comentar o conceito de felicidade ela evidencia a ideia de liberdade. Agnes Heller (1998, p.79) apresenta em sua obra que: “A idéia de que os bons devem ser felizes porque merecem a felicidade e que os maus devem ser infelizes porque não a merecem é à base do conceito ético de justiça”, contudo, nem todos os conceitos éticos de justiça implicam um conceito político de justiça.
[9] Aristóteles (2007) ao discutir tanto o conceito de justiça como a sua realização, menciona dois tipos de justiça: uma Justiça Natural e outra Justiça convencional, e em outros momentos conflita Justiça legal e Justiça em um sentido primordial. Podemos concluir que embora na pólis (aqui como representação da ordem política) haja um regulamento formal, a justiça na visão antiga é mais abrangente do que isto.  
[10]Heller relaciona os conceitos éticos e políticos para tentar uma conceituação mais abrangente.
[11]A Fenomenologia do espírito contém a gnoseologia hegeliana. Na tradição desses estudos, iniciada por Locke, todo o conhecimento provém da experiência sensível. No nível inicial desta temos separadamente as sensações e a percepção, seguindo-se a representação. Depois se passa ao plano das idéias onde a grande preocupação é identificar as idéias simples, que estariam mais próximas da experiência sensível inicial. Hume unificou os momentos da sensação e da percepção, chamando-os de impressões primeiras. Disponível em:http://www.videeditorial.com.br/dicionario-obras-basicas-da-cultura-ocidental/f-g-h-i/fenomenologia-do-espirito-de-hegel.html. Acesso em: 14 de setembro de 2013
[12] Rousseau se baseou no Leviatã de Hobbes para compor seus argumentos no Contrato Social, e concorda com ele quanto à única possível e verdadeira justiça: a divina. Não há questionamento sobre a existência de Deus, porém se questiona os pactos que se fazem através ou em nome Dele. O estado de natureza de Hobbes e o estado de sociedade de Rousseau evidenciam uma percepção do social como luta entre fracos e fortes, vigorando a lei da selva ou o poder da força. Para fazer cessar esse estado de vida ameaçador e ameaçado, os humanos decidem passar à sociedade civil, isto é, ao Estado Civil, criando o poder político e as leis.
[13]Kant (2001) também discorre a respeito da liberdade em concílio com o ordenamento e com as leis, o que se chamou sociedade civil, na qual a liberdade não é tratada como limitação ao poder, mas distinguindo-se de uma liberdade natural, na observação das leis é realizada a verdadeira forma de liberdade em sociedade.  
[14] Para Agnes Heller, a ótica ético-política não pode ser passiva diante da ordem político-legal, mas sim tem que estruturá-la através da consciência legislativa.
[15] Na conjectura moderna generalidade é universalidade para a autora.
[16]A liberdade externa de todos os indivíduos é limitada por um princípio de igualdade.
[17]Os três elementos são: Cidade-da-alma, Cidade-da-terra e Cidade-do-céu; são importantes, sobretudo, por representarem a harmonia entre conceitos metafísicos e materialistas.
[18] As considerações sobre o Autor são baseadas naquelas mencionadas em: HELLER. 1998, p. 139-141.
[19]Honesto está com sentido de bondade e certeza.

Um comentário:

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