segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O DESAFIO DE SE BUSCAR UMA ÉTICA JURÍDICA


O DESAFIO DE SE BUSCAR UMA ÉTICA JURÍDICA[1]

 

Marcus Antônio de Souza Fernandes Filho[2]

marcu.filho@gmail.com


INTRODUÇÃO

          A ética, ainda que muito invocada, está ausente da concretude diária das relações humanas. (BITTAR, 2013, p. 25). Dessa forma, apesar do seu valor, a ética, na contemporaneidade, é considerada como um obstáculo para a sociedade consumista e comercial, regida por um sistema que transformam os valores humanos em valores econômicos, sem qualquer compromisso com o dever moral. Resultando em um desvirtuamento da conduta humana, refletindo em uma sociedade cada vez mais egoísta, violenta e sem nenhuma preocupação com o bem comum, ocasionando a perda de valores morais. Tornando-se um verdadeiro desafio a prática de uma ética profissional, mais especificamente a jurídica.
         É na balança ética, como foi dito pelo Bittar, que se devem pesar as diferenças de comportamento, para medir-lhes, a utilidade, a finalidade, o direcionamento, as consequências, ou seja, os frutos de toda a ação humana. Tornando possível a convivências das diversas ações humanas na sociedade, pois elas devem se relacionar com o mesmo fim: o bem comum.
           Contudo, a ética não deve se limitar ao seu saber, mas também a sua prática. Dessa forma, esta não se restringe ao estudo da ação humana, na sua complexidade, de forma investigativa. Trata-se, porém, da faceta que busca o conteúdo efetivo da ética como ocorrência individual e social.
         E é voltada na ética prática, mais precisamente na ética profissional que este trabalho abordará questões e reflexões relacionadas na área jurídica. Com o objetivo de ressaltar a importância da ética jurídica, no exercício das atividades dos operadores jurídicos, pois mais do que qualquer profissional, estes possuem a obrigação e dever ético. Sendo, portanto, autores das conquistas dos desafios que impedem a ética jurídica.

 
1 A REALIDADE ATUAL DA ÉTICA

            A ética corresponde ao exercício social dos “três erres”: reciprocidade, respeito e responsabilidade. Sendo a intersubjetividade um traço fundamental da ética (BITTAR, 2013). Contudo, na sociedade atual, regida por um sistema que prega o individualismo desenfreado, o consumismo, a competição. Torna intersubjetividade e os três erres tornam-se ausentes na concretude diária das relações humanas, ou seja, apesar do seu valor, a ética torna-se um obstáculo para a sociedade consumista e comercial, regida por um sistema que transformam os valores humanos em valores econômicos, sem qualquer compromisso com o dever moral.
           É nas inquietações humanas que encontramos a fonte de existência da ética, pois assim como nos primórdios das sociedades, há a necessidade de balancear os diferentes comportamentos, em relação às consequências, os mecanismos, e o compromisso individual e social. Por meio de uma balança ética que deve pesar os diferentes comportamentos para que a sociedade alcance uma harmonia, resultando em um bem comum.
        A ação humana, como foi bem dito pelo Bittar, é uma movimentação de energias que se dá no tempo e no espaço, por meio de uma determinada manifestação de comportamento, intenções, e escolhas que fazemos no dia-a-dia. Continuar a dormir ou acordar, estudar ou sair, fazer o bem ou fazer o mal. Para ilustrar melhor essa questão da ação humana e suas consequências, pode-se fazer alusão ao grande escritor Machado de Assis, na sua obra: histórias póstumas de Brás Cubas, quando o Brás encontra um preto, palavras do autor, que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: “Não. Perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!”[3]. Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova. E o mais impactante foi a quem se tratava o vergalho, dita pelas próprias palavras do autor:

Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho?
Nada menos que o meu moleque Prudêncio- o que meu pai libertou alguns anos antes. Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele. E ele respondeu que sim. (MACHADO, 2010, p. 171).

O mais impactante nessa história, é o fato do moleque Prudêncio ter sofrido o mesmo com o Brás Cuba quando ainda era escravo da família Cubas. Dessa forma, notamos que o antigo escravo não teve uma ação diferente que a do seu antigo senhor, pois praticou a mesma ação que havia sido submetida a ele.
        É importante considerar que as ações humanas convivem em uma mesma sociedade, de forma que a própria sociedade torna-se um local onde convergem todos os fluxos de ações aglomeradas em torno de um fim comum. Dando inicio a aglomeração de ações individuais, até a formação da intersubjetividade, formando um grande emaranhado de ações que se relacionam. (BITTAR, 2013)

2 ÉTICA NO SABER E NA PRÁTICA

Primeiramente é preciso diferenciar a ética do saber da ética prática. O saber ético incumbe-se de estudar a ação humana, e por isso possui uma grande complexidade no assunto. Possui uma faceta investigativa, pois se volta para o comportamento humano tomado em sua acepção mais ampla, nas suas realizações exteriores, espirituais (intencionalidades), e nos resultados úteis e práticos.
Já a ética prática possui a característica de atuação concreta e conjugada da vontade e razão, de cuja interação se extrai resultados que se corporificam por diversas formas. Dessa forma, as intenções e realizações exteriores devem estar em pertinente afinidade com a atitude interna, ligando assim, a consciência da ação. Como foi dito pelo próprio Bittar:

Então, a prática ética deve representar a conjugação de atitudes permanentes de vida, em que se construam, interior e exteriormente, atitudes gerenciadas pela razão e administradas perante os sentidos e os apetites (BITTAR, 2013, p. 30).

 A prática de condução de políticas públicas, por exemplo, é ética se se realizaram atitudes positivas e reais em prol da coisa pública. Assim como no bom proceder, quando se constata não somente uma mínima intenção de não lesar, mas sim no esforço efetivo de conter toda e qualquer conduta capaz de lesar o mínimo ao patrimônio espiritual, material, intelectual e efetivo de outrem. Trata-se do conteúdo efetivo da ética como ocorrência individual e social. (BITTAR, 2013)
         O agir é necessário, apesar de perigoso por conta da responsabilidade das consequências. O homem é um ser de agir e fazer escolhas, dessa foram ele adentra em uma esfera de conflito moral, que pode instalar na consciência e que pode perseguir o indivíduo na tensão oriunda dos efeitos e responsabilidades decorrentes de seu ato. Um grande exemplo desse conflito moral é o caso do Raskólnikov, personagem principal da obra do FiódorDostoiévski: Crime e Castigo. Onde um jovem estudante de direito que comete um assassinato e se vê perseguido por sua incapacidade de continuar sua vida após o delito, e admite o crime: “Fui eu que, para roubar, assassinei a machado a velha que emprestava sob penhor e sua irmã Lizavéta”[4] (DOSTOIÉVSKI, 2010).
              Dessa forma, pode-se dizer que agir é perigoso, mas é preciso agir, pois a ação exprime, em sua essência: a vida. Contudo, é preciso agir levando em consideração o agir ético, para que se possam balancear as ações em sociedade, e buscar-se-á o fim social tão almejado: o bem comum.
         E o bom agir, referente à ética habermasiana, seria por meio do diálogo, ou seja, com a capacidade de interação fundada na razão dialógica e comunicativa. Dessa forma, a ética tem a ver com linguagem, com condições de comunicação e com exercício prático do discurso na interação pragmática com o outro.A ética do discurso eleva o teto da racionalidade como forma de entendimento entre atores sociais. Ademais, a teoria do discurso empodera os atores sociais para que assumam a tarefa de realizar a liberdade, a verdade, a democracia, como responsabilidade de esfera pública e interação política dos parceiros do direito[5].


3 ÉTICA NA PROFISSÃO

É como especialização de conhecimentos aplicados que a ática profissional se vincula às ideias de utilidade, prestatividade, lucratividade, categoria laboral, engajamento em modos de produção ou prestação de serviços, exercícios de atividades regularmente desenvolvidas de acordo com finalidades sociais. Desse modo, podemos perceber que a primeira característica da profissão, para que seja definida como tal, é estar a serviço do social.
     Ademais, o que define o estatuto ético de uma determinada profissão é a responsabilidade que dela decorre, pois, quanto maior a sua importância, maior a responsabilidade que dela provém em face dos outros. Encontra-se então, certa dificuldade na temática da profissão, na questão de defini-la, por ser de algo de grande complexidade.
         Mas, de qualquer modo, profissão deve ser entendida como uma prática que reiterada e lucrativa, da qual extrai o homem os meios para a sua subsistência, para sua qualificação e para seu aperfeiçoamento moral, técnico e intelectual, e da qual decorre, pelo simples fato do seu exercício, um benefício social.
       Os profissionais em geral, devem buscar a compreensão que na feita que professam uma atividade não haverá convivência individual, mas sim um engajamento numa teia de compromissos tal que uns dependem dos outros para que se perfaçam objetivos pessoais e coletivos.


CONCLUSÃO

Portanto, podemos notar o quanto a área jurídica deve se colocar como responsável no que consta na questão do dever ético, porque os agentes do direito possuem em suas rotinas a tarefa da administração da justiça, e a busca dos direitos, sejam individuais ou coletivos, principalmente este, que se sobressai ao interesse individual.
          A ética, dessa forma, não deve se limitar ao seu saber, mas também a sua prática. Dessa forma, esta não se restringe ao estudo da ação humana, na sua complexidade, de forma investigativa. Trata-se, porém, da faceta que busca o conteúdo efetivo da ética como ocorrência individual e social.
          É preciso ressaltar a importância da ética jurídica, no exercício das atividades dos operadores jurídicos, pois mais do que qualquer profissional, estes possuem a obrigação e dever ético. Devendo, portanto, serem os autores das conquistas dos desafios que impedem a ética profissional, especialmente a jurídica.   Por meio do discurso, pode ser mobilizado para representar a força de fundamental importância para produzir interatividade e formas de integração social fundadas no consenso, passos fundamentais para a disseminação de justiça na vida social[6].
 

REFERÊNCIAS

DE ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril, 2010, p. 171.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. CRIME E CASTIGO: volume II. Trad. Rosário Fusco. São Paulo: Abril, 2010, p. 331.

BITTAR, Eduardo. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 25-95, 389-422.

HABERMAS: ética do discurso e racionalidade dialógica, p. 379, 385-386.






[1]Ensaio apresentado à matéria Ética Jurídica, ministrada pelo Professor Doutor Luiz Otávio Pereira.
[2]Discente regularmente matriculado no curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará, cujo número de matrícula é 13641001301.
[3] DE ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril, 2010, p. 171.
[4] DOSTOIÉVSKI, Fiódor. CRIME E CASTIGO: volume II. Trad. Rosário Fusco. São Paulo: Abril, 2010, p. 331.
[5] HABERMAS: ética do discurso e racionalidade dialógica, p. 379, 385.
[6]HABERMAS: ética do discurso e racionalidade dialógica, p. 386.

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