quarta-feira, 6 de julho de 2011

DIREITO ENQUANTO ESTUDO CRÍTICO E ANALÍTICO

LUIZA BATISTA VILAÇA DE OLIVEIRA




O Direito vai muito além de simples questões normativas estatizadas ao longo do tempo no ideário de alguns pensadores e profissionais da área. Justamente por ter como objeto de estudo o ser humano, ou seja, algo mutável e instável em suas ações e pensamentos não há possibilidade de haver eficácia em um Direito positivado. Neste sentido, se faz necessária a existência daquilo que o jurista FERRAZ JUNIOR (1980) denominou de hermenêutica, sendo esta uma teoria da interpretação, tendo por função aproximar a positividade da lei dos princípios de equidade, justiça e legalidade. Desta forma, o Direito passa a ser mais que mera aplicação e incorpora a necessidade da interpretação, de maneira individual, mediante cada caso exposto. Tomando esta ideia como base para a formulação de uma linha argumentativa acerca do caso dos exploradores, tomo como ponto de partida a verificação, a análise do caso como sendo algo particular, com peculiaridades que devem ser levadas em conta durante todo o processo de construção do pensamento. Não se trata de uma simples tipificação, mas de um estudo analítico que permita a maior aproximação possível de uma sentença que seja de fato justa.


A POSITIVIDADE NA CONTEMPLAÇÃO DA INJUSTIÇA:

É muito simples para um profissional do Direito querer abordar cada caso de forma genérica, apoiando-se nas leis escritas e utilizando as mesmas como um escudo de justificativas para suas ações ditas “justas”. Não é afinal o que os positivistas fazem? Estatizam as leis, não refletem sobre as mesmas e acabam muitas vezes por causar uma injustiça chamada justa? KELSEN (1998), em sua teoria pura do direito, busca delimitar o campo de atuação do âmbito jurídico:“Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito.” (KELSEN, 1998, p.11). Mas como limitar o Direito apenas à normatividade quando seu objeto de estudo abarca uma complexidade que demanda maior abrangência de compreensão e análise? Como desvincular o homem da questão ética, moral, psicológica, quando isto esta arraigado em seu ser? Se assim for feito, haverá então uma falsa ilusão de contemplação da justiça, e neste caso existirá na sociedade uma constante prática de injustiça.


DIREITO REFLEXIVO E O CASO DOS EXPLORADORES:

A situação apresentada no livro “O caso dos exploradores de cavernas” aborda uma problemática que envolve não somente a questão jurídica e normativa tal qual ela se apresenta nas leis escritas, mas também o fator moral, ético, as necessidades e fraquezas humanas que assolam o psicológico do homem em determinados momentos de desespero e angústia.
O caso em questão expõe, sem análise mais profunda, um homicídio. De fato existiu um assassinato, quatro indivíduos mataram um ser humano, retirando do mesmo seu bem maior, sua vida. Tendo como base esta primeira apreciação, verificando apenas a concretização do ato, se espera que a pena cabível aos réus seja a máxima. Mas até que ponto esta pena é justa se não há reflexão acerca das circunstancias que culminaram na concretização do fato?
Justiça. Esta é a finalidade ultima da existência de todo ordenamento jurídico, é um princípio já enunciado por Platão como estando acima das demais virtudes. Já para positivistas como Hans Kelsen, a única forma de alcança-la é a simples aplicação da lei. É possível a verificação desta teoria através de uma análise feita por Warat do pensamento kelseniano: “Kelsen imaginou que o objeto de uma ciência jurídica em sentido estrito não pode ser mais do que o conjunto de normas positivas de um Estado”. É exatamente esta divergência que foi erroneamente estabelecida entre leis e reflexão que deve ser refutada.
Na defesa da importância de existir uma vasta reflexão e detalhada análise do caso, volto meu pensamento para o filme “Doze homens e uma sentença”. É perceptível, a partir do entendimento do mesmo, o quanto se faz necessária a reavaliação dos fatos, pois é a partir do estudo dos mesmos que será possível a maior aproximação daquilo que vem a ser a justiça. Fazendo um parâmetro desta ideia com o caso em questão é inevitável a conclusão de que é crucial a análise das circunstâncias anteriores ao fato. Não basta somente tipificar o crime e com isto condenar os réus, pois desta forma haverá um extremo caso de injustiça.
Estão em julgamento quatro homens acusados de assassinato, o que de fato ocorreu, mas qual circunstancia os levaram a cometer tal ação? Esta é a indagação que deve ser feita, deve haver a busca pela motivação, se assim não fosse então qual seria a finalidade de diferenciar um homicídio por legítima defesa do homicídio doloso? Afinal, o resultado da ação é o mesmo, a morte. A partir disto, a conclusão a que se chega é que o que de fato deve importar em um processo judicial é o conjunto de fatores que levam à concretização do ato.
É válido ressaltar as condições que se encontravam os trabalhadores: presos, com poucos mantimentos e sem previsões exatas para saída do local. Com isto, faço um paralelo ao estado de natureza de Rousseau, onde o homem se encontra em perigo e se utiliza de todas as ferramentas para auto preservação: “Sua primeira lei consiste em proteger à própria conservação, seus primeiros cuidados os devidos a si mesmo, e tão logo se encontre o homem na idade da razão, sendo o único juiz dos meios apropriados à sua conservação, torna-se por si seu próprio senhor.” (ROUSSEAU, 2002, p.11). Constata-se então que o risco eminente de morte levou os trabalhadores a utilizarem o que tinham para dar continuidade àvida.
É importante ratificar a participação da vítima para a conclusão do fato, sendo esta mentora da ideia, das medidas a serem tomadas e portadora dos dados utilizados no jogo. Durante o contato realizado com profissionais envolvidos no resgate, Roger Whetmore cogitou a possibilidade de um dos cinco exploradores servirem de alimento para os demais, ou seja, Whetmore considerava a hipótese plausível se esta fosse a única saída de sobrevivência. Independente do que ocorreu após o último contato dos exploradores com os profissionais do resgate, Whetmore participou espontaneamente do jogo, ainda que resistindo por um momento, e por decorrência concordou com as consequências advindas da situação.
Por fim, defendo uma teoria dialética na construção de um Direito justo e eficaz, onde a obtenção da justiça parte não simplesmente de uma normatividade positivada, e sim de um pensamento analítico e reflexivo. É a partir desta visão crítica que julgo improcedente a condenação dos réus, uma vez que ao verificar os fatos acima expostos não defendo a ideia de que não houve assassinato, mas faço valer como argumento de absolvição o fator motivacional, todas as circunstancia presentes durante o ocorrido, desde o desgaste psicológico até o envolvimento da vítima. E é com este posicionamento crítico analítico do Direito que absolvo os réus.


REFERÊNCIAS

FULLER. Lon. O caso dos exploradores de cavernas. Porto Alegre: Fabris, 1976.

WARAT. Luis. Os quadrinhos puros do Direito. Ed. ALMED.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 1980.

KELSEN. Hans. Teoria pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martin Claret, 2002.

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