quarta-feira, 20 de julho de 2011

AS METAMORFOSES DO VAMPIRO



(Charles Baudelaire)

E no entanto a mulher, com lábios de framboesa
Coleando qual serpente ao pé da lenha acesa,
E o seio a comprimir sob o aço do espartilho,
Dizia, a voz imersa em bálsamo e tomilho:
- "A boca úmida eu tenho e trago em mim a ciência
De no fundo de um leito afogar a consciência.
As lágrimas eu seco em meios seios triunfantes,
E os velhos faço rir com o riso dos infantes.
Sou como, a quem me vê sem véus a imagem nua,
As estrelas, o sol, o firmamento e a lua!
Tão douta na volúpia eu sou, queridos sábios,
Quando um homem sufoco à borda de meus lábios,
Ou quando os seio oferto ao dente que o mordisca,
Ingênua ou libertina, apática ou arisca,
Que sobre tais coxins macios e envolventes
Perder-se-iam por mim os anjos impotentes!"
Quando após me sugar dos ossos a medula,
Para ela me voltei já lânguido e sem gula
À procura de um beijo, uma outra eu vi então
Em cujo ventre o pus se unia à podridão!
Os dois olhos fechei em trêmula agonia,
E ao reabri-los depois, à plena luz do dia,
Ao meu lado, em lugar do manequim altivo,
No qual julguei ter visto a cor do sangue vivo,
Pendiam do esqueleto uns farrapos poeirentos,
Cujo grito lembrava a voz dos cata-ventos
Ou de uma tabuleta à ponta de uma lança,
Que nas noites de inverno ao vento se balança.

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