quarta-feira, 13 de julho de 2011

GLOBALIZAÇÃO DE CONTIGENCIALIDADES

NATHALIA PEIXOTO
GUSTAVO FREITAS



Globalização e direito são palavras que conceituam um pluralismo de fenômenos, representam processos que caminham em torno do homem moderno. Nesse trabalho, dada a complexidade e extensão do tema, nossa análise recai sobre a modernidade com seu caráter contingente, eventual, duvidoso, incerto do direito, desse direito fruto da modernidade, fruto dessa sociedade do risco, intrinsecamente ligado a um fenômeno muito conhecido por nome, mas pouco conhecido de fato: a globalização. Tentaremos enxergar algumas das intercessões ligando direito moderno com algumas tendências da globalização.
Traçar as principais características do direito moderno é nossa tarefa, então, partiremos da pergunta “qual a modernidade do direito da modernidade” (DE GIORGI, 1998, p.150)? O direito numa visão histórica é uma ferramenta de manutenção da ordem e um mecanismo de decisão, solucionador de conflitos, de uma determinada sociedade. Daí se dá a crítica de De Giorgi, que os mecanismos de inclusão paradoxalmente geram exclusão, isto é, que as “inúmeras micro-racionalidades surgidas na dinâmica dessa caótica expansão legislativa revelam-se potencialmente conflitantes entre si, sendo, portanto, incapazes de convergirem direção a uma racionalidade” (FARIA, 2002, p.77). Racionalidade esta que, anteriormente, era nos garantido pelo direito positivo, mas que diante do fenômeno da globalização tem tornado o direto positivo cada vez mais confuso, direito esmiuçado diante da pluralidade, diante das problemáticas paradoxais.
Os sistemas jurídicos têm cada vez mais, através do fenômeno da globalização, transfigurado sua estrutura. A globalização provoca uma mudança na estrutura do próprio Estado, os tentáculos da economia global muitas vezes se sobrepujam ao índice de intervenção estatal diminuindo a eficácia dos sistemas jurídicos neutralizarem tensões, diminuir conflitos. Na globalização, quanto maior a diversidade maior será a possibilidades de resultado, tantos os pretendidos quanto os não pretendidos, maior o risco diante dessas multiplicidades
Tratemos, agora, de uma visão de alguns pontos gerais bem característicos da globalização. A idéia de globalização, para alguns desavisados, passa por um fenômeno monolítico, quase linear em que parece não haver dissenso. Essa crença “não só confere à globalização as suas características dominantes, como também legitima estas últimas como as únicas possíveis ou as únicas adequadas.” (SANTOS, 2002, p.27). Longe dessa idéia simplista de globalização, concordamos com Boaventura de Sousa Santos que afirma que a globalização trata-se de um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo. (SANTOS, 2002, p.26).
Destacaremos duas tendências da globalização, que vem fragilizando a idéia de direito moderno. A primeira, dirá Faria, “decorre do caráter paradoxal das inovações científico-tecnológicas” (FARIA, 2002, p.60). Com o avanço dos recursos tecnológicos, maior será a capacidade do homem na exploração dos recursos naturais, sendo também maior o risco, dúvidas e perigos com relação aos efeitos não previstos, ou aos abusos, no uso dessas tecnologias. Isso gera incerteza ao bem-estar social e a segurança econômica.
Quando o “direito produz mais não-direito” (DE GIORGI, 1998, p.157) significa atrelar este conceito a pluralidade econômica, social, política que provoca uma inflação legislativa que corresponde à singularidade de cada caso, isto é, a racionalidade cada vez mais vai deixando de ser o eixo de sustentação dos sistemas jurídicos dando lugar ao irracionalismo submisso a peculiaridades casuísticas e pragmáticas, abandonando o ideal iluminista racional, no qual a razão era ou é sendo substituída por um dever ser. Ou seja, a modernidade da modernidade gera incerteza porque abandona a razão dialética de verdades frutos de erros corrigidos abarcando no ceticismo da relatividade extremada que nega as verdades devido aos conflitos que ela mesma cria.
Podemos citar como exemplos, desde degradação ambiental irreversível até a inadimplência generalizada de empresas. Como o direito moderno reage a danos provocados por forças transnacionais? Quem responsabilizar pelos danos? É aí que podemos citar os riscos ambientais, os direitos difusos, direitos que não se pode identificar a titularidade, mas que cada vez mais percebemos o se caráter coletivo, pois as conseqüências das catástrofes ambientais, provocadas ou não pelo homem, cada vez menos respeitando fronteiras, classes sociais, gerações. Aliás, a crise no setor imobiliário americano em 2009 ao se expandir para todo globo deixou evidente esses riscos e provocou uma onda de perplexidades.
A segunda tendência, para melhor ser compreendida, exige um breve comentário sobre o que é o consenso de Washington ou consenso neoliberal. Ele visa “o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvimento e especificamente o papel do Estado na economia” (SANTOS, 2002, p.27) e fora adotado pelos Estados centrais (ocidentais) na década de 80 do século XX. A partir desse consenso o desenvolvimento, voltou-se novamente para o mercado, após décadas de atuação do Estado na economia. Segundo os países centrais, essa é a única forma compatível com o novo regime global de acumulação:
Consiste em substituir ate ao máximo que for possível o principio do Estado pelo princípio do mercado e implica pressões por parte dos países centrais e das empresas multinacionais sobre os países periféricos e semi periféricos no sentido de adoptarem ou se adaptarem as transformações jurídicas e institucionais que estão a ocorrer no centro do sistema mundial. (SANTOS, 2002, p. 39).
Desta forma o Estado deve intervir menos e como conseqüência tem o enfraquecimento de suas instituições e o sistema fechado do direito moderno se torna, paulatinamente, aberto. Daí, por exemplo, temos desde uma menor preocupação com meio ambiente até uma perda gradativa de cidadania.
“O direito positivo condiciona-se a partir de si mesmo” (DE GIORGI, 1998, p.155), isto é, o direito precisa ser entendido enquanto direito e como uma pessoa diferente do Estado porque só assim o direito poderá justificar o Estado. Apesar de serem entendidos de maneira distinta, um apóia-se no outro, é assim que podemos falar de Estado Democrático de Direito que se justifica por fazer direito. Se for através da centralidade que o Estado justifica-se como ordem jurídica se perdêssemos essa centralidade, que tende a ser crescente com a “modernidade alternativa”, nos assemelharíamos, segundo Kelsen (2009), a sociedades pré-estatais ou inter-estatais. É assim que o direito positivo se torna vítima do aumentando do nível de incerteza dos sistemas jurídicos.
Com a globalização houve o aumento dos riscos que as sociedades enfrentavam isso se deve a uma abertura gradual dos sistemas jurídicos. Colocando-se, assim, em xeque a função do direito o qual não consegue mais enfrentar a pluralidade das forças transnacionais. Temos a passagem paulatina da racionalidade do direito para uma irracionalidade, pois ele não consegue mais identificar os responsáveis pelos danos. Esse é o paradoxo, enquanto o direito tenta manter-se como um sistema fechado a globalização provoca o aparecimento de inúmeras micro-realidades, que se mostram cada vez mais conflitantes, a manutenção da coesão social, se torna cada vez mais difícil, as decisões jurídicas acabam por se tornar um objetivo meramente pragmático, deixando de lado a tão prezada segurança jurídica. A complexidade envolvendo direito e globalização é um ponto essencial, porém por várias vezes esquecidos nos cursos jurídicos. Até aqui apresentamos apenas dois capilares que envolvem essa interseção. E se o direito é um sistema fechado, para entendê-lo em sua capacidade é uma necessidade a formação de observadores jurídicos críticos “com o olhar voltado especialmente para os novos processos de dominação política e para novas estruturas de acumulação e a apropriação de riquezas privadas” (FARIA 2002, p.122).

REFERÊNCIAS:
DE GIORGE, Raffaele. Direito, democracia e risco. Porto Alegre. Sergio Antônio Fabris Editor, 1998.

FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Holf. Qual o futuro dos direitos. Editora Max Limonad, 2002.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Martins fontes. São Paulo, 2009.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A globalização e as ciências sociais. Boaventura de Sousa Santos (org.).- São Paulo, 2002.

Nenhum comentário:

Postar um comentário